Título: Bird mostra como Ásia bateu AL
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/09/2006, Economia, p. B4

Há 40 anos o Leste da Ásia tem sido o campeão mundial do crescimento econômico. A região continua na frente e até 2010 mais de 95% de seus habitantes viverão em países de renda média, segundo o Banco Mundial (Bird). Entre 1990 e 2005, quase 500 milhões de pessoas saíram da pobreza, deixando de viver com menos de US$ 2 por dia. Nos próximos 20 anos, as cidades da área absorverão 2 milhões de pessoas por mês.

'Mas o desafio do desenvolvimento da renda média é consideravelmente mais complexo e os países precisam adaptar sua estratégia', disse o economista-chefe do Bird para a região, Homi Kharas. A má notícia, portanto, é que eles devem se preparar para uma fase superior do desenvolvimento. Esse é o mote principal do relatório 'Um renascimento leste-asiático'.

Para a América Latina, o desafio é muito diferente: consolidar a disciplina adotada nos últimos anos para que o atual surto de crescimento não termine em mais uma crise. Foi esse o recado principal do economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental, Anoop Singh.

Nos últimos 50 anos, muitos países saíram de níveis de renda associados a 'padrões abjetos de pobreza' para o status de renda média, mas não passaram disso, segundo o relatório coordenado por Kharas e Indermit Gill. 'A parte do mundo mais decepcionante foi a América Latina, onde muitos países alcançaram níveis de renda média e, então, essencialmente, pararam de crescer.'

Pela classificação do Bird, países com renda por habitante inferior a US$ 825 são de renda baixa. Na faixa de US$ 826 a US$ 3.255 ficam os de renda média baixa e entre US$ 3.256 e US$ 10.655, os de renda média alta. Até 2000, havia oito latino-americanos classificados em alguma faixa média: Brasil, México, Argentina, Colômbia, Peru, Uruguai, Venezuela e Chile. Oito do Leste da Ásia estavam nesse grupo (China, Indonésia, Tailândia, Malásia e Filipinas) e cinco na classe de renda alta (Japão, Cingapura, Hong Kong, Taiwan e Coréia do Sul).

Se a atual tendência for mantida, mais de 95% dos habitantes do Leste da Ásia viverão em países de renda média até 2010. Em 2020, menos de 25 milhões estarão abaixo da linha da pobreza, num total de mais de 2 bilhões de pessoas.

O contraste com a América Latina aparece com força nos números de longo prazo. Entre 1966 e 2004, o Produto Interno Bruto (PIB) por habitante do Leste da Ásia e do Pacífico aumentou 5,77% ao ano. Na América Latina e no Caribe, só 1,46%.

Em 34 anos desse período, o crescimento do PIB per capita superou 2% anuais na Ásia. Nos latino-americanos, isso ocorreu em apenas 14 anos. Há quatro décadas, a economia latino-americana era a mais forte, fora do mundo desenvolvido. Hoje, perde de longe para a asiática. De 1990 até o presente, o PIB conjunto dos emergentes do Leste da Ásia passou de US$ 1,2 trilhão para US$ 4 trilhões. Todo o PIB latino-americano deve ficar próximo de US$ 2 trilhões, pelas medidas convencionais.

Com a elevação da renda, as pessoas tendem a diversificar a demanda. Isso pode levar a uma diversificação da oferta interna. Mas o crescimento tende a ser mais veloz e seguro quando há especialização e escala, observam os autores do estudo. O Leste da Ásia aproxima-se dessa encruzilhada.

Outro problema é que as economias em desenvolvimento, quando atingem certo nível de modernização, ficam espremidas entre as do Primeiro Mundo, que dominam a tecnologia mais avançada, e as menos desenvolvidas, que dispõem de mão-de-obra mais barata. As do Leste da Ásia estão conseguindo contornar esses problemas porque investiram em tecnologia e em educação.

A abertura e a regionalização foram fatores decisivos para o crescimento da região. A abertura dos mercados e a busca da eficiência estimularam o comércio intra-regional. A experiência do Leste da Ásia e do Pacífico é descrita como regionalização e não como regionalismo. Redes de produção criaram forte dependência entre os países. As multinacionais japonesas dirigem mais de 80% de suas exportações de filiais na Ásia para outros países da região. Além disso, 95% de suas importações provêm de indústrias na Ásia. A abertura de mercado entre os países da área tem sido um importante fator de atração de investimento.

Também nesse aspecto há um contraste com a América Latina. Entre 1990 e 2003, o comércio intra-regional cresceu de 42% para 54% do total no Leste da Ásia, de 37% para 45% no Nafta (América do Norte caiu de 65% para 60% na União Européia e subiu de 10% para modestos 15% no Mercosul. Embora o Mercosul seja uma união aduaneira, a idéia das cadeias produtivas pouco avançou e a integração industrial entre os sócios permanece baixa.

O relatório aponta, no entanto, importante semelhança entre os emergentes do Leste da Ásia e os latino-americanos. 'Com exclusão de Cingapura e Hong Kong, a corrupção no Leste da Ásia é alta, comparável com a da América Latina, e talvez tenha crescido recentemente'.

Mas, se esse é o caso, como explicar a coexistência do crescimento econômico com altos níveis de corrupção? O relatório cita hipótese formulada por cientistas políticos. Como a corrupção é centralizada e organizada, é possível tirar dinheiro das empresas com suficiente cuidado para que não quebrem nem vão embora para outro país.

Com a democratização, no entanto, a corrupção tornou-se menos organizada e menos visível como alvo para a indignação pública.