Título: Físico russo contesta lei sobre buracos negros
Autor: Giovana Girardi
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2006, Vida&, p. A22

Há uma brincadeira entre os físicos que diz que se alguém tem uma hipótese que vai contra leis do Universo, pode até estar certo. Agora, se vai contra a segunda lei da Termodinâmica, então é melhor desistir.

Piada à parte, é exatamente isso que o físico russo Vladimir Belinski está propondo. Ele contesta uma teoria elaborada pelo britânico Stephen Hawking no começo da década de 1970 que diz que buracos negros, objetos formados a partir de estrelas colapsadas, em que a força gravitacional é tão grande que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar de dentro deles, também emitem partículas em forma de radiação. Essa é a chamada radiação Hawking, que Belinski afirma agora não existir. Ele apresentou seus estudos na semana passada durante a 12ª Escola Brasileira de Cosmologia e Gravitação, em Mangaratiba (RJ), e divide opiniões.

De fato, esse efeito nunca foi comprovado experimentalmente, mas é aceito de um modo geral pela comunidade científica - em parte porque os cálculos já foram confirmados diversas vezes; e em parte porque a radiação ajuda a resolver um dilema em torno da tal segunda lei.

A segunda lei da Termodinâmica diz que a entropia (o grau de desordem) de um sistema tende sempre a aumentar. Antes de Hawking, se supunha que o buraco negro nunca poderia diminuir de tamanho e que tinha entropia nula. Assim o buraco negro não teria temperatura, nem emitiria radiação. Mas logo se percebeu que isso criava um problema. Ao sugar uma matéria, o buraco negro estaria cometendo o crime de diminuir a entropia do Universo.

Hawking refez os cálculos, pôs na fórmula não apenas a Teoria da Relatividade (que prevê a existência de buracos negros), mas também uma pitada de Mecânica Quântica e concluiu que, sim, o buraco negro emite radiação térmica. Ou seja, tem temperatura, tem entropia, o sistema todo se encaixa como deveria. E todos ficaram felizes. Mas não para sempre.

Agora, Belinski, que pesquisa o assunto no Centro Internacional de Astrofísica Relativística (Icra), na Itália, afirma haver inconsistências na interpretação do britânico (veja ilustração acima). Tais supostos erros levaram-no a concluir que a radiação Hawking não existe. 'Ou seja, não há equilíbrio nem termodinâmica do buraco negro', afirmou Belinski em entrevista ao Estado. Ele se debruça sobre o assunto há pelo menos dez anos. A negação da teoria, no entanto, ainda não vem acompanhada de uma solução.

A FAVOR E CONTRA

Para o físico Mario Novello, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que promove a escola de cosmologia, esta é a retomada de um problema que já se supunha resolvido. 'A conclusão é revolucionária e dramática.'

Por outro lado, um dos principais estudiosos brasileiros de buracos negros, o físico George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Unesp, descarta essa possibilidade. Para ele há uma questão em jogo ainda pior do que contradizer a termodinâmica. 'As objeções técnicas feitas à radiação são da mesma natureza que Belinski faz a outra teoria que se aplica à física de partículas, o efeito Unruh. Se um estivesse errado, o outro também estaria, mas esse efeito já foi confirmado diversas vezes nos aceleradores de partícula. E, sem ele, a física de partículas ficaria inconsistente. É o mesmo que dizer que para A ser igual a B, 2 tem de ser igual a 3. É uma prova pelo absurdo.'