Título: Mercado aquecido é arma da Bolívia
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2006, Economia, p. B6

O forte crescimento do mercado sul-americano de gás natural é a principal arma da Bolívia para forçar a indústria petroleira, inclusive a Petrobrás, a se submeter às novas regras definidas no Decreto de Nacionalização. O governo boliviano estima que, além do que já compram, Brasil e Argentina juntos precisem de mais de 60 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia ao longo dos próximos anos para suas indústrias.

Estima também que no dia seguinte ao fim da negociação com as petroleiras, o setor retomará os investimentos no desenvolvimento de novos campos de gás e petróleo no país. Os aportes em 2006 serão de US$ 100 milhões, um sexto do que foi há cinco anos. Segundo Carlos Villegas, que assumiu o Ministério de Hidrocarbonetos no lugar do polêmico Andrés Solíz Rada, investimentos entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões darão novo impulso ao setor, paralisado após a decisão de reestatizar a indústria do petróleo.

Solíz Rada, ao entregar o cargo ao sucessor, na semana passada, afirmou que o novo ministro deve endurecer as negociações com Argentina e Brasil. O ex-ministro afirma que os argentinos negociam a compra de 20 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia e, atualmente, compram 7,7 milhões de metros cúbicos. A Argentina, afirmou Solíz Rada, tem interesse em investir na produção de novos poços de gás no país.

A Bolívia que aproveitar a necessidade dos argentinos para entrar no setor o petroquímico. Os 27,7 milhões de metros cúbicos por dia seriam exportados para a Argentina depois de passar por uma planta separadora de líquidos. Assim, o país poderá produzir matéria-prima petroquímica, como butano, etano e propano.

Solíz Rada disse que os argentinos querem que a unidade fique do lado Argentino ou que tenham participação na negociação. 'Peço aos novos negociadores que não retrocedam. O gás é dos bolivianos, a comercialização é dos bolivianos e de mais ninguém.'

Villegas entendeu o recado. Diz que a situação é muito mais favorável à Bolívia. 'Há mercado e há preço elevado.' Segundo relatório anual da British Petroleum, o consumo de gás na América Central e América do Sul cresceu no ano passado 5,7%, mais que o dobro do crescimento mundial, de 2,3%. A Argentina cresceu 7,4% e o Brasil, 6,7%.

Para a Bolívia, essa situação torna a Petrobrás refém do mercado boliviano. Embora a companhia brasileira tenha suspendido mais compras de gás e anunciado grandes investimentos no aumento da oferta interna, o governo Evo Morales acredita que o Brasil não tem como fugir de investimentos no desenvolvimento de novos campos no país. 'A Petrobrás fala da Bacia de Santos, do biodiesel, do gás venezuelano a US$ 1, mas a empresa precisa da Bolívia. A estratégia do Brasil é ter mais gás', ressaltou Solíz Rada.

De fato, a necessidade de gás no Brasil cresce num ritmo maior que a oferta. A Petrobrás anunciou recentemente a licitação para duas unidades de regaseificação de gás natural liquefeito. A medida pode amenizar o problema, mas a demanda continua a crescer.

A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), que reúne as concessionárias estaduais, como a Comgás, afirma que os planos da Petrobrás vão até 2011. 'E depois, o que vai acontecer?', questiona Romero Oliveira e Silva, presidente da Abegás. A Bolívia aposta que ela é a resposta.