Título: Retomada do crescimento é questão central para o próximo presidente
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2006, Nacional, p. A16

O principal desafio do próximo presidente é fazer o País voltar a crescer em ritmo aceitável. O crescimento brasileiro tem sido baixíssimo se comparado a outros países emergentes. Nos últimos 20 anos, a média foi de 2,4%. Em 10 ou 5 anos, foi 2,2%. Em 2005, o crescimento foi de 2,3%. Para 2006, a média das projeções do mercado é de 3,1%.

Números medíocres, não só diante de estrelas emergentes como a China, que cresce há décadas num ritmo médio de 9% ao ano, ou da Índia (6,5%), mas de países mais próximos e muito menos badalados, como Peru e Colômbia, que vêm sustentando média de 4% a 5%. Com estes resultados, é praticamente impossível achar um economista que não ponha a aceleração do crescimento como prioridade número 1. Para o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, 'um país como o Brasil deveria crescer 6% ou 7% ao ano'.

A questão do crescimento virou o centro do debate também porque o Brasil parece ter superado dois dos principais problemas econômicos de sua história. Um é a inflação, que está em pouco mais de 3% ao ano, o nível mais baixo do pós-guerra, à exceção de breve período recessivo antes da desvalorização do real em 1999. O outro é a vulnerabilidade externa, que parece ter sido vencida, com mais de US$ 70 bilhões em reservas, o fim da dívida pública externa, exportações de quase US$ 135 bilhões anuais, e saldo comercial superior a US$ 40 bilhões.

Segundo o economista Regis Bonelli, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o estrangulamento externo sempre foi uma fonte de problemas. 'Agora, parece que este fantasma está afastado', diz.

Recentemente, o economista Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central, lançou o debate sobre a possível 'mexicanização econômica' do Brasil. Apesar de ter indicadores externos, fiscais e de inflação melhores que os do Brasil - e ter obtido o invejado 'grau de investimento' das agências internacionais de classificação de risco -, o México teve nos últimos cinco anos o baixíssimo crescimento médio de 1,8%, pior que o brasileiro.

TRANSIÇÃO

Para economistas como Goldfajn, que têm alguma influência com o candidato tucano, Geraldo Alckmin, o problema do Brasil e do México é a incapacidade política de fazer reformas que proporcionem a transição entre estabilidade e crescimento acelerado. 'Para mudar o patamar de crescimento, só com reformas', diz Goldfajn.

A fórmula deste grupo mais ortodoxo inclui novo ajuste fiscal, com controle da expansão dos gastos públicos, reforma da Previdência e trabalhista, abertura econômica, redução da burocracia que atrapalha os negócios, reforço das agências reguladoras e política educacional com ênfase na melhoria do ensino fundamental e possivelmente ensino superior pago para quem pode. Para o grupo, a queda dos juros e a aceleração da economia viriam naturalmente na esteira das mudanças.

Entre desenvolvimentistas a ênfase é no arranjo macroeconômico. Uma das principais críticas é que a excessiva ortodoxia do BC eleva demais a taxa de juros, o que inibe o crescimento e as condições de crédito, reduzindo o consumo e o investimento. Juros altos também são vistos como fator de atração de capitais externos não-produtivos, que sobrevalorizam o câmbio e tiram competitividade internacional dos produtos brasileiros.

Curiosamente, esta visão persiste apesar de o BC ter feito nos últimos anos intervenção de mais de US$ 150 bilhões para sustentar o dólar (comprando moeda, abatendo dívida externa e ofertando instrumentos financeiros), e as exportações terem mais que duplicado desde o início do governo Lula, e estarem crescendo a 15% ao ano.

A explicação, para muitos desenvolvimentistas, é que o alto preço das matérias-primas que o Brasil exporta, como minério de ferro, sustentam esse desempenho. Mas eles dizem que a entrada de dólares em função disso e dos juros altos valoriza o câmbio, destruindo setores exportadores industriais e trazendo risco de uma reversão, caso as commodities despenquem.

Para Ricardo Carneiro, economista da Unicamp, apesar de tudo o Brasil ainda vive um quadro de instabilidade macroeconômica. Ele defende forte queda na taxa de juros, que desvalorizaria o câmbio e seria central no ajuste fiscal, reduzindo pagamentos financeiros do governo. Com isto, o setor público poderia investir mais. A taxa de investimentos, de 20% do PIB, é vista como insuficiente para crescimento mais acelerado.

Ele vê papel maior para o Estado em infra-estrutura e na expansão da oferta de educação, saúde, habitação, etc. Carneiro acredita ainda numa política de aumento do salário médio via elevação real do mínimo, para fortalecer o mercado interno.

QUADROS

Receitas como a de Carneiro tiveram muito pouca influência na política econômica nos últimos 10 a 15 anos. Até Antonio Palocci sair do Ministério da Fazenda, o governo Lula teve uma política ortodoxa. Com a entrada de Guido Mantega na Fazenda houve sinais tímidos de flexibilização, em boa parte tolhidos pelo conservadorismo do BC dirigido por Henrique Meirelles.

O PT tem e pode atrair tanto quadros ortodoxos como desenvolvimentistas para integrar a equipe econômica e não está claro para que lado Lula irá no eventual segundo mandato, embora na área fiscal já ocorra um certo afrouxamento (não se sabe se meramente eleitoral).

É do lado do PSDB que surge um discurso mais concatenado de mudanças na direção do que o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira chamou de 'novo desenvolvimentismo' - combinação da receita ortodoxa de rigor fiscal e reformas com mudanças na área macroeconômica, centradas na queda mais acentuada dos juros, que teoricamente levaria à desvalorização do real.

Esta receita é defendida por economistas próximos a Alckmin, como Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações. Para os ortodoxos, porém, mexer no regime macroeconômico é um grave erro. Alckmin já deu sinais claros de que vai atacar os gastos públicos, mas tergiversa sobre a Previdência e não definiu o que fará em termos de câmbio e juros. Como Lula, de certa forma, ele ainda não deixou claro até que ponto vai temperar a ortodoxia dos últimos anos com pitadas de desenvolvimentismo.