Título: Decreto não será flexibilizado
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2006, Economia, p. B3

A nacionalização dos hidrocarbonetos, maior bandeira do governo de inspiração socialista do presidente boliviano, Evo Morales, dá claras indicações de que está sem rumo. Em entrevista concedida nas dependências do Palácio Quemado, em La Paz, ao Estado e ao The New York Times, o sucessor de Andrés Solíz Rada, Carlos Villegas, admite haver pouco tempo para negociar e fechar contratos com todas as companhias petroleiras em operação no País. Independentemente disso e das incertezas sobre o resultado de um processo que já parece sem rumo, tudo está mantido.

Villegas faz-se entender que o que está proposto é excessivamente forte para um recuo, a Bolívia não teria respaldo popular para tanto. Garante, assim, que não haverá flexibilização do Decreto Supremo 28.701, publicado em lº de maio. ¿O decreto será aplicado como foi promulgado. Nunca se considerou dentro do governo que se flexibilize nada¿, diz.

Num aceno de paz, o novo ministro pede uma trégua ao Brasil. Diz que se excedeu na segunda-feira passada, quando declarou que ¿a Petrobrás não dobrará a Bolívia¿, e está aberto ao diálogo, mesmo que ¿fracasse¿. Sobre o ato que acirrou a crise Bolívia-Brasil, sustenta: o controle da comercialização dos produtos produzidos pelas refinarias da Petrobrás será mesmo do governo boliviano. Quando, ainda não sabe. Informa que um banco de investimento internacional, o Lazard Frères, é o responsável agora pela avaliação das refinarias da Petrobrás.

O novo ministro, em sua primeira entrevista à imprensa internacional - cronometrada pela sua assessoria de comunicação -, garante que 28 de outubro é mesmo a data final para que todas as companhias que operam na exploração e produção de gás no país assinem novos contratos. Caso contrário, terão de deixar a Bolívia.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Brasil e Bolívia caminham para um rompimento?

De fato, há uma postura, nas últimas semanas, que creio não faz nada bem às relações, não apenas empresariais, mas também diplomáticas entre os dois países. Estamos seguros de que a Bolívia tem papel importante na geopolítica e na política energética do Brasil. Porque quase todo o gás vendido ao Brasil vai para o Estado mais industrializado, São Paulo. Então, temos um peso. Por outro lado, reconhecemos que o Brasil tem peso aqui. A Bolívia desmontou sua empresa estatal, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e, paralelamente, a Petrobrás construiu forte presença na cadeia hidrocarborífera. É importante neste contexto que ambos os governos, ambas as empresas, tenham disposição para um diálogo de negociação, mesmo que num processo de negociação não se saiba qual será o resultado.

A Bolívia fala em negociação, mas tem sempre uma retórica duríssima contra o Brasil. No início da semana, o sr. declarou, por exemplo, que a ¿Petrobrás não dobrará a Bolívia¿. Isso não soa como provocação?

Foi forte o que disse. Foi uma forma figurada. Algumas autoridades do Brasil diziam que a Bolívia tampouco iria lhe dobrar a mão. Tenho que reconhecer. Talvez, pessoalmente, excedi-me. Retrato-me publicamente porque não estou nesta função de ministro para alentar ainda mais um distanciamento entre Bolívia e Brasil. Estou como ministro para conseguir o melhor ambiente de diálogo, com vistas ao objetivo de encontrar um resultado. O resultado pode ser favorável ou não. Para buscar resultado é preciso buscar um ambiente de natureza diferente.

Qual a reação da população se as negociações não derem os resultados que o governo prometeu?

É muito difícil adiantar-me. Não quero ter uma atitude de Pitonisa (sacerdotisa de Apolo que tinha o dom de prever o futuro), de tal forma que me adiante aos fatos. As negociações são muito importantes para a Bolívia. Meu compromisso com o presidente da República é negociar os contratos, mas não posso assegurar resultados.

Diante da dureza do Decreto de Nacionalização, a Bolívia pode flexibilizar a nacionalização?

O decreto será aplicado como foi promulgado em 1º de maio. Nunca se considerou no governo que se flexibilize nada.

Mas nada avançou em 180 dias, conforme previa o decreto. O prazo, agora, para tantas negociações não é curto demais para impor novos tipos de contratos que disciplinarão um setor tão complexo?

Sim, é verdade.

Isso não pode inviabilizar a discussão com as companhias, trazer muitos problemas para a Bolívia?

Concordo. O prazo é curto para tratar de temas complexos. Mas não posso falar absolutamente nada agora. No momento, o prazo final (para assinatura dos novos contratos) é 28 de outubro.

Quanto o governo se propõe a pagar à Petrobrás pelo controle das duas refinarias?

Estamos neste momento iniciando a avaliação das refinarias. Porque o Decreto Supremo determina que a Bolívia tenha 51% das ações, inclusive esse. Isso está a cargo do Lazard Frères (banco de investimento franco-americana, especializado em fusões e aquisições). Temos que fazer a avaliação e a partir disso entrar num processo de negociação. A Petrobrás também terá avaliação própria das refinarias. Pode ser que o banco de investimento aponte um valor determinado e a Petrobrás outro. Aí negociaremos.

Quando a Bolívia dirá o quanto quer pagar pelas refinarias? Ainda não sei.

Mas isso não é uma condição para negociar com a Petrobrás? Vai ser necessário.

Mas o prazo é curto...

Vamos conversar com a Petrobrás. Creio que esse tema (a avaliação) é um ponto importante, mas não creio que seja essencial.

Esse banco de investimento ajuda o governo boliviano em outras etapas da negociação?

O banco de investimento Lazard Frères é contratado também para fazer as auditorias das petroleiras.

A resolução, congelada, de tirar da Petrobrás o direito de comercializar os derivados produzidos pelas refinarias será aplicada quando?

Suspendemos essa resolução por duas razões: primeiro porque a YPFB não tinha os recursos necessários para assumir o negócio; segundo, foi congelado depois da reação do governo brasileiro e da Petrobrás, que foi forte e significativa. O que mais queríamos (com o congelamento) era mostrar a disposição de conversar com a Petrobrás. Por isso, a suspensão temporária da medida. Quando vamos aplicar? Bem, primeiro negociaremos.

Até o dia 28?

Primeiro negociaremos. Veja, é muito difícil ser conclusivo num tema tão complexo.

Mas não é como o sr. disse: um tópico da nacionalização?

Sim, mas não necessariamente aplicaremos a resolução até o dia 28; pode ser depois. Os conteúdos da resolução ministerial ainda não têm efeito. Primeiro faremos uma avaliação. Agora estamos em negociação. No dia 9, chega aqui (a La Paz) o ministro Silas Rondeau (Minas e Energia).

O que o sr. tem a dizer ao ministro brasileiro sobre tudo o que a Bolívia pretende?

Bom, não o conheço pessoalmente, mas vou dizer que, como ministro, tenho a disposição de ajudar que Brasil e Bolívia negociem e devemos dar todo o respaldo político às equipes negociadoras. Vou pedir também que as negociações não sejam interrompidas. É bom que as equipes se concentrem numa negociação fluída para chegar a acordos e a pontos de convergência. Seguramente, estarei permanentemente em contato com o ministro Silas para ver os graus de avanço e as disposições tanto de Bolívia quanto de Brasil.

A eleição presidencial no Brasil de alguma forma influenciou esse processo de nacionalização?

Sim. Compreendemos que o Brasil está num processo eleitoral. Nós, como governo, alentamos que ganhe o presidente Lula. Não somente para a Bolívia, mas para a América Latina. Isso é importante.

A única negociação que não sofreu interrupções entre Brasil e Bolívia é a que discute alterações na fórmula de reajuste do preço do gás natural importado pelo Brasil. Como está este assunto?

As equipes técnicas negociam e vão continuar. Não gosto de negociar por intermédio da imprensa. É um tema sensível. Assim que tivermos algum resultado, informaremos.

A Petrobrás já disse que não considera necessárias alterações no atual contrato. A arbitragem em Nova York será o destino?

Estamos negociando no marco do contrato vigente. Chegou o momento de fazer um ajuste dos preços como diz o contrato. Portanto, não há necessidade de arbitragem internacional. Estamos negociando com o Brasil. Quem compra o gás quer pagar menos, quem vende quer cobrar mais. Então, temos que discutir para chegar a um ponto de convergência.

O setor petroleiro tem alertado que as mudanças propostas pelo governo Evo Morales reduziu drasticamente os investimentos. Como o sr. responde a essa crítica?

A redução dos investimentos na Bolívia não se dá a partir do decreto de nacionalização. Há redução de investimentos no setor desde 2001. Digo mais: há redução de investimentos por conta das tensões políticas e sociais dos últimos anos. O que queremos com a renegociação dos contratos das petroleiras é que as empresas, a partir de 1º de novembro, comecem a investir.

Como a Bolívia espera receber novos investimentos a partir da disposição de transformar todas as companhias em meras prestadoras de serviço?

Não acho que as empresas serão prestadoras de serviço.

O governo terá o controle dos ativos, afirma que cobrirá custos de operação das empresas e ofertará uma margem. Isso não é convertê-las em prestadoras de serviço?

Vamos assinar contratos de operação, associação e de produção compartilhada. As empresas virão à Bolívia ou irão a outro país para obter lucro. Não queremos que deixem de ganhar, mas que ganhem racionalmente. A taxa de retorno será resultado da negociação, é difícil dizer agora. Vamos fazer com que as companhias recuperem custos, obtenham rentabilidade para que continuem na Bolívia.

Qual a rentabilidade que será garantida à Petrobrás?

Esse valor será produto da negociação. Não podemos ter um parâmetro único porque são diferentes empresas de magnitude e dimensões distintas. O resultado da negociação expressará o tamanho da rentabilidade e a utilidade que obterá a Petrobrás na operação dos campos dos quais participará.

Qual o volume de investimento esperado pela Bolívia?

Creio que a partir de 1º de novembro, depois de concluído o processo de negociação, vamos começar a receber US$ 1,5 bilhão. Isso só dá para o desenvolvimento dos campos de gás. Cada campo demora entre 1,5 ano a 2 anos para estar em condições de produção.

A estatal venezuelana PDVSA pode assumir empresas que não aceitarem os termos dos novos contratos até 28 de outubro?

Não. Com a PDVSA, queremos fazer um acordo de sociedade anônima mista. Para isso, é preciso promulgar uma lei no Parlamento. Não há nenhum marco legal para que a PDVSA possa estar presente na Bolívia.