Título: Crise política é ameaça à expansão
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2006, Economia, p. B5
A crise política ameaça condenar o Brasil a mais um período de baixo crescimento econômico, temem representantes do setor produtivo. Até duas semanas atrás, havia a expectativa de que o clima de disputa se acalmaria após as eleições, qualquer que fosse o resultado, abrindo espaço para o Legislativo retomar as votações das medidas necessárias para destravar o crescimento. Agora, há risco de a crise se prolongar e manter o Congresso paralisado.
No fim da semana passada, o temor de uma crise de governabilidade atingiu os analistas do mercado financeiro e reviveu-se, por alguns momentos, o nervosismo pré-eleitoral de 2002. Na tarde de sexta-feira, o clima já estava mais calmo.
¿Não sabemos como ficará o cenário político¿, disse ao Estado o presidente em exercício da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Eduardo Moreira Ferreira. ¿Mas precisamos ter esperança. O Brasil é maior que os buracos que surgem no caminho e a gente renasce dos desastres.¿
¿No cenário político, ficou incerto o que vai acontecer¿, concorda o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ex-ministro do Planejamento, Martus Tavares. Ainda assim, ele trabalha numa nova versão para o projeto de lei que determina o papel das agências reguladoras e espera apresentá-lo ainda este ano, após as eleições.
As entidades da indústria elaboraram uma espécie de roteiro a ser seguido pelo novo presidente para a economia voltar a crescer. Boa parte das medidas já está no Congresso, sem conseguir avançar por causa da paralisia provocada pela crise do mensalão, pela desarticulação da base governista e, em alguns casos, pela oposição do próprio governo. O roteiro foi transformado em um documento chamado Crescimento - A Visão da Indústria, entregue aos os candidatos (ver abaixo).
São dez prioridades: redução do gasto público, tributação, infra-estrutura, financiamento, relações de trabalho, desburocratização, inovação, educação, política comercial e acesso a mercados e meio ambiente.
Quando não se ataca um problema, como o excesso de gastos públicos, sobretudo os gastos correntes (como salário de funcionários, benefícios previdenciários, bolsas e custeio da máquina pública), permite-se duas leituras para os investidores e empresários, segundo Martus Tavares. A primeira é que a carga tributária não vai cair, pois é necessário arrecadar para cobrir esses gastos. Por causa dos impostos pesados, as empresas brasileiras levam desvantagem em relação às concorrentes. A segunda é que haverá poucos investimentos públicos em infra-estrutura, tornando mais agudos os gargalos da economia brasileira.
O mesmo vale para a questão ambiental. A demora dos órgãos do meio ambiente para conceder licenças para construção de novas usinas hidrelétricas aumenta o risco de escassez de energia, sobretudo se a economia acelerar. Segundo o documento da CNI, a demanda por energia subiu de 4,5% a 5% ao ano, mas a oferta cresceu apenas 1,4% ao ano, em média.
Um horizonte cheio de problemas desanima novos investimentos privados. O chefe do Departamento Econômico (Depec) do Banco Central, Altamir Lopes, admitiu na semana passada que o empresário estrangeiro interessado em investir no Brasil poderá ¿dar uma parada¿ em seus projetos para avaliar o andamento da crise. Ele acredita, porém, que eles não desistirão de vir para o País, porque levam em conta o longo prazo e não o cenário mais imediato.
Caso o presidente Lula seja reeleito, o cenário político conturbado será o menor dos empecilhos para a agenda do crescimento, na avaliação do economista Roberto Iglesias, ex-secretário-adjunto de Política Econômica e diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes). Ele avalia que muitos dos itens da agenda da CNI não avançaram porque o governo Lula tem opiniões divididas. Num eventual segundo mandato, Lula comporá sua base com o PMDB, que tampouco tem idéias definidas sobre os temas da agenda.