Título: SP destoa do País e concentra renda
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2006, Economia, p. B6
A concentração de renda em São Paulo, Estado mais rico do País, aumentou sensivelmente de 2004 para 2005, na contramão da média nacional de redução da desigualdade. Os trabalhadores com renda acima de R$ 8 mil, que representam apenas 1% da população ocupada no Estado, tiveram ganho real de 17% e aumentaram o abismo que os separa dos mais pobres. Essa elevação foi quase o dobro dos 9,9% de aumento que coube à massa remunerada pelo salário mínimo, responsável por 10% dos ocupados.
¿É impressionante o que ocorreu em São Paulo, destoando do Brasil e até da Região Sudeste. É, realmente, um mercado de trabalho à parte no País¿, comentou o professor da Unicamp Claudio Dedecca, especialista em trabalho e renda. Ele cruzou microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que teve o resultado geral divulgado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento revelou a redução da desigualdade na distribuição de renda no Brasil. Mas a observação por Estado mostra que esse avanço foi muito desigual.
São Paulo foi o único dos quatro Estados do Sudeste a registrar aumento do índice Gini - unidade internacional usada para medir o grau de distribuição de renda, que varia de zero (perfeita igualdade) a 1 (desigualdade máxima). ¿De uma maneira geral, no País o índice Gini baixou porque o ganho maior nos rendimentos foi na parcela mais pobre da população¿, disse a técnica do IBGE Vandeli Guerra, analista da Pnad.
Ela explicou que a mesma tabulação não foi feita por Estado pelo instituto porque isso inviabilizaria prazos da própria Pnad. E lembra que, na época do Plano Collor, por exemplo, a concentração de renda caiu muito, mas também o rendimento desabou. ¿O que ocorreu naquela época foi que todo mundo perdeu, ricos e pobres¿, disse. Pelos resultados atuais, o mercado paulista divide com Rondônia e Rio Grande do Norte os maiores aumentos na concentração de renda.
No outro extremo está o Maranhão, que historicamente alterna com o Piauí a pior colocação em desenvolvimento econômico e social do País. A melhora na distribuição de renda no Maranhão pode ser atribuída principalmente a programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família. Como há uma população relativa de pobres muito grande no Estado, a recuperação da renda da base da pirâmide se reflete imediatamente no resultado geral.
¿A Pnad 2004 mostrou que 59% das pessoas atendidas pelo Bolsa-Família estão na Região Nordeste, enquanto apenas 22% são do Sudeste. O corte para São Paulo certamente mostrará uma parcela ainda menos expressiva¿, disse Dedecca. Em sua opinião, pode estar havendo uma supervalorização do Bolsa-Família nos efeitos gerais de redistribuição de renda.
De acordo com as mais recentes estatísticas do IBGE, sozinho, São Paulo responde por 32% de todas as riquezas do País (Produto Interno Bruto). É, de longe, a maior participação no PIB nacional. Os ganhos expressivos dos mais ricos entre 2004 e 2005 podem ser atribuídos à formalização do mercado de trabalho e ao aumento da qualificação da mão-de-obra no Estado, aliados aos efeitos das taxas de juros elevadas, que ampliaram os rendimentos de investimentos financeiros
¿A queda desigual na distribuição de renda é resultado de tendências bastante contraditórias em um País com as dimensões do nosso¿, comentou André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets). ¿Em Mato Grosso, por exemplo, a nova fronteira agrícola transformou o Estado em `soja grossa¿ e elevou a desigualdade. Em Santa Catarina, a desigualdade vem caindo de forma sólida e consistente há mais de uma década¿, afirmou. O resultado catarinense de 2004 para 2005 também foi de aumento do Gini. Mas, apesar disso, o Estado ainda tem um dos menores índices de desigualdade do País, abaixo da média nacional.
A tendência geral de declínio na concentração de rendimentos no País ocorre muito lentamente, como atesta a pesquisa do IBGE. Na avaliação nacional, os técnicos do instituto constataram crescimento real em todos os segmentos, influenciado especialmente pelo aumento de 9,9% no salário mínimo. Pelos dados da Pnad, em 2005, 10% dos ocupados com os maiores rendimentos abocanharam 44,7% de toda a renda gerada no Brasil, enquanto os 10% com as menores remunerações tiveram de dividir apenas 1,1% do total de rendimentos.
¿O índice Gini identifica bem o hiato entre a renda dos mais ricos e dos mais pobres, mas é uma medida meio inelástica para entender as mudanças¿, disse a economista Sonia Draibe, da Unicamp. Ela lembra que já houve ocasiões em que o Gini caiu por causa da queda maior no rendimento dos mais ricos, embora os mais pobres também tenham perdido; em outras vezes, um aumento mais elevado no salário dos mais pobres fez cair a desigualdade num cenário em que os mais ricos também ganharam. ¿É provável que a maior criação de vagas no mercado formal tenha beneficiado as categorias mais bem remuneradas em São Paulo, com a mão-de-obra qualificada puxando a concentração.¿
Um aumento de 6% nos estratos superiores da pirâmide do rendimento do trabalho surte um efeito mais forte do que a elevação de 10% a 12% nos estratos inferiores, explicou o professor Dedecca. ¿Nos últimos anos, os estratos superiores vinham perdendo renda em São Paulo. Agora, com a economia impulsionada especialmente pelas exportações, setor formado quase integralmente pelo trabalho formal, essa relação começa a se inverter¿, disse.
Outro Estado onde os trabalhadores mais ricos tiveram ganhos expressivos de rendimento foi o Rio Grande do Norte, com 34% de aumento de 2004 para 2005.