Título: Tailândia mostra que ter Exército como árbitro político é mau negócio
Autor: Jonathan Steele
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2006, Internacional, p. A35

Há algo de estranho na reação externa ao golpe da semana passada na Tailândia. Os governos ocidentais mostraram desaprovação de uma forma meio branda, antes de correr para fazer negócios com a nova junta militar. Muitos analistas estrangeiros foram mais longe, até mesmo acolhendo de bom grado o golpe, ao mesmo tempo em que retratavam o primeiro-ministro derrubado, Thaksin Shinawatra, como um autoritário vulgar que mereceu perder o poder. Se outros analistas ainda estão hesitando sobre que linha adotar, isso parece ser por causa das dúvidas sobre a opinião do rei da Tailândia.

Se ele aprovar o golpe, coisa que seu pedido de quinta-feira para que se mantenha a calma indica, então está tudo bem. Se disser que não aprova, então a junta deve fazer as malas e cair fora. Isso tudo parece bastante peculiar. Onde foi parar aquela conversa sobre apoiar ¿novas democracias¿ e ¿países em transição¿? Caiu no rio de Bangcoc.

Não devemos nos surpreender. Há oito meses, os palestinos conduziram uma eleição e escolheram as pessoas erradas, e assim seus esforços democráticos também foram revogados. Governos estrangeiros correram para dizer ao novo governo palestino que não seria reconhecido até que rasgasse seu manifesto eleitoral e voltasse atrás.

Há seis anos, houve outro golpe num país asiático. Um general do Paquistão chamado Pervez Musharraf fechou o Parlamento e extinguiu os partidos. Seus atos foram mais extremados que os da junta tailandesa e a reação inicial no exterior foi mais dura. A Comunidade Britânica suspendeu o país do clube e outros governos impuseram algumas sanções brandas., mas elas desapareceram rapidamente e, sob o comando de Musharraf, agora descrito como presidente, o Paquistão se tornou um membro honorário da guerra do Ocidente contra o terrorismo internacional.

Uma lição decorrente dessas súbitas mudanças de opinião ocidentais é que a democracia do mundo real é mais complexa do que os cruzados de Washington alegam. A outra é que as instituições democráticas não podem facilmente lidar com as tensões produzidas pelas forças de globalização externas, assim como uma rápida mudança interna. No espaço de uma geração, as novas democracias da Ásia deixaram de ser em grande parte rurais para ser predominantemente urbanas. A zona rural está fustigada por preços de commodities em baixa e a concorrência de alimentos importados, assim como pela sedução da vida na cidade. Garotas camponesas são atraídas para as fábricas de confecção e linhas de montagem ou para a sordidez do comércio do sexo. Enquanto as novas classes médias que tiveram êxito com a mudança econômica parecem aprovar o golpe. Há informações de que os eleitores das áreas rurais e das pequenas cidades estão mantendo o apoio ao primeiro-ministro derrubado.

Tensões semelhantes romperam o tecido social e político das Filipinas, onde a linha entre as eleições democráticas e o regime militar é frágil há muito tempo. Embora as Filipinas venham evitando um golpe militar por mais de duas décadas, isso se deveu em parte ao fato de terem eleito presidente um general, Fidel Ramos, que serviu por seis anos na década de 1990. Hoje, boatos de iminentes golpes militares cercam a presidência insegura de Gloria Macapagal Arroyo e isso tem acontecido praticamente a partir do momento que ela tomou posse.

Conflitos antigos por causa de sistemas feudais da posse da terra, que geraram uma insurgência comunista, permanecem, mas o principal campo de batalha político nas Filipinas é a disputa pelos espólios da nova economia globalizada - que será proprietária ou controlará a rentável indústria das telecomunicações, as TVs privadas e o setor bancário. O apadrinhamento na concessão de licenças para administrar tudo isso faz da política um negócio sujo.

Na Tailândia, Thaksin Shinawatra representava a nova estirpe de empresários que se transformaram em políticos e ficaram ricos com telecomunicações. Ele formou seu próprio partido e usou a TV para se apresentar como um candidato ¿a favor dos pobres¿, combatendo as elites governantes. Sua primeira vitória, em 2001, foi um triunfo para a nova política ¿antipolítica¿. Nas Filipinas, seu equivalente era Joseph Estrada, ex-astro de cinema que também se projetou como candidato contrário às elites e ganhou a eleição para a presidência em 1998. Ele se manteve pouco mais de dois anos e meio no cargo, isso em grande parte por causa da corrupção persistente. Mas o fator decisivo que o retirou do posto - exatamente como aconteceu na Tailândia - foi o Exército. Enormes multidões ocuparam as ruas para exigir o seu impeachment. Elas só conseguiram o que queriam quando o Exército mudou de lado, mandando Estrada embora e permitindo que Gloria, sua vice, assumisse.

A Coréia do Sul tem uma longa história de generais que viraram políticos, e quando Roh Moo-hyan rompeu o padrão, há três anos. houve otimismo entre os progressistas da Ásia. Um ilustre advogado de defesa dos direitos humanos, Roh pareceu oferecer um novo começo depois de clamar por uma governança corporativa limpa e independência de Washington. Mas as promessas econômicas de Roh foram frustradas e ele chegou a enviar tropas sul-coreanas para Iraque, provocando um novo desapontamento.

Extrair conclusões claras da caótica história recente da Tailândia, Filipinas, Coréia do Sul e Paquistão não é fácil. Cada país tem sua política específica. Mas uma diretriz deveria ser clara: retirar do Exército seu papel de árbitro da política e transformá-lo numa instituição cívica normal que serve ao Estado, em vez de governá-lo, é um princípio crucial para qualquer democracia, nova ou antiga. Portanto, o que aconteceu na Tailândia foi um retrocesso. A coisa triste é que a classe média emergente - que os liberais ocidentais tão freqüentemente alegam ser a fiadora indispensável para o avanço de transição democrática - aplaudiu.