Título: Mais uma greve do INSS
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2006, Notas e Informações, p. A3

Depois dos médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que acabam de encerrar uma semana de greve, deflagrada para protestar contra agressões que têm sofrido nos consultórios, agora é a vez dos servidores da Previdência Social cruzarem os braços. Eles decidiram paralisar por dois dias a prestação de serviços essenciais, como concessão de aposentadoria, pensão por morte e auxílio-natalidade, que já vinham sendo prestados em caráter precário pela entidade.

O pretexto dos servidores da Previdência é o mesmo usado na última greve, realizada há 20 dias. A categoria, que exigia um plano de cargos e salários, está descontente com o projeto apresentado pelo governo. A proposta prevê um aumento de R$ 459 para R$ 1.220 no bônus dos analistas previdenciários, que têm nível superior, e uma elevação de R$ 210 para R$ 905 no bônus dos demais técnicos. Ela também amplia as gratificações para R$ 1.440, no caso dos analistas, e R$ 1.110, no caso dos técnicos, condicionando as concessões a avaliações de desempenho, ganhos de produtividade e metas de arrecadação.

Os servidores rejeitam a proposta, sob a alegação de que a ¿política de gratificações produtivistas do Planalto¿ é uma ¿farsa para pagar banqueiros¿ e faz parte ¿do projeto neoliberal de desmonte do Estado¿. Em vez da avaliação de desempenho proposta pelo governo, a categoria pleiteia a incorporação pura e simples das gratificações aos salários, a manutenção da jornada de 30 horas, a garantia de promoção automática e a extensão de todos os benefícios aos servidores aposentados.

¿A Previdência insiste em nos empurrar um modelo baseado na produtividade, mas queremos uma carreira que possibilite ascensão profissional¿, diz José Rubens Decaris, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência. ¿A gente está sendo colocada para correr atrás de um compromisso que o governo já assumiu, das metas de superávit primário, e para cobrir o imenso prejuízo que o Banco Central teve no último período, decorrente da alta taxa de juros e da política cambial¿, afirma Maria Lúcia Fatorelli, do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal, que apóia a greve.

Além disso, os servidores do INSS exigem um reajuste de 47% para compensar perdas salariais e querem que o ministro da Previdência volte atrás na decisão de descontar, como ¿faltas injustificadas¿, os dias não trabalhados na greve da primeira semana de setembro. Para os servidores, o desconto é uma ¿tentativa de intimidar a categoria¿.

Essas pretensões, evidentemente absurdas, dão a idéia da ousadia do funcionalismo, em matéria salarial. Como não nos cansamos de repetir, o que alimenta essa ousadia é a ausência de regulamentação do direito de greve no setor público. Desde que a Carta de 88 concedeu esse direito aos servidores, nenhum governo teve coragem de enviar ao Congresso um projeto disciplinando seu exercício. Por causa dessa omissão é que surgiu a chamada ¿greve remunerada¿, no âmbito do Estado.

No setor privado a greve pode ter conseqüências desagradáveis tanto para as empresas, que passam a produzir e vender menos, quanto para os empregados, que perdem os dias parados e podem ser dispensados. No setor público, o funcionalismo praticamente não corre qualquer risco, uma vez que os servidores não podem ser demitidos e nem sempre são obrigados a repor as horas paradas. Em 2004, foram 4 mil horas de interrupção na máquina estatal, num total de 31 greves. Entre as greves ocorridas em 2006, a da Anvisa durou quase quatro meses, o que obrigou a indústria farmacêutica a suspender a fabricação de remédios.

Pelos prejuízos que causa à economia e por prejudicar principalmente os segmentos mais carentes da população, os que mais dependem de serviços públicos essenciais, como é o caso do INSS, o grevismo dos servidores converteu-se num grave problema de ordem pública. E, como os dirigentes têm medo de enfrentar o funcionalismo, omitindo-se na regulamentação da greve no âmbito do Estado, esse problema só tende a se agravar .