Título: Parte das reservas pode ter só água
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2006, Economia, p. B11

Parte das reservas de gás da Bolívia pode ser apenas água, afirmou a um canal de TV de La Paz o ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas. Segundo ele, as companhias de petróleo podem ter incorporado reservas de água aos campos de gás para ampliar o valor dos ativos e conseqüentemente terem avaliações de balanços mais favoráveis.

O volume oficial de reservas consideradas pelo governo chega a 23 trilhões de pés cúbicos, o equivalente a 651,3 bilhões de metros cúbicos. O Brasil tinha até 2004, segundo o Balanço Energético Nacional (BEN), 326 bilhões de metros cúbicos, mas segundo avaliações mais recentes o país já se aproxima de 400 bilhões de metros cúbicos de gás natural. O número da Bolívia pode, segundo admite o ministro, estar errado. Avaliações de consultorias contratados pelo Ministério de Hidrocarbonetos indicam volumes de 18 trilhões de pés cúbicos, ou 509,7 bilhões de m3.

Se a suspeita do ministro tiver correta, a Bolívia terá reduzido as reservas em 141,6 bilhões de metros cúbicos de gás, cerca de 5 trilhões de pés cúbicos. Isso seria suficiente para abastecer o Brasil, considerado o limite do gasoduto de 30 milhões de m3 por dia, por mais de 12 anos.

Villegas admite que o assunto preocupa, sobretudo pelo desejo do país em elevar as vendas internacionais. Mesmo diante de duras negociações com as companhias de petróleo, inclusive com a Petrobrás, a Bolívia tem planos de aumentar a venda de gás para a Argentina e, se tiver oportunidade, também ao Brasil. Com os argentinos, o país negocia um contrato para expandir a venda de gás dos atuais 7,7 milhões para 27,7 milhões de m3 por dia.Para este volume, a Bolívia terá de receber investimentos para desenvolver novos campos.

Os atuais volumes são suficientes neste momento para abastecer a demanda atual, por volta de 35 milhões de m3 por dia, 26 milhões para o Brasil, que já começa a alcançar o volume máximo do gasoduto, 30 milhões de m3 por dia.

FALTA CONHECIMENTO

O diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires, afirmou ao Estado que as petroleiras podem de fato contabilizar reservas de água para ampliar as reservas do combustível e obter desta forma melhores avaliações dos balanços.

Pires, entretanto, acha que a Bolívia não tem condições de fazer tal afirmação agora. 'Possível é, sem dúvida, mas não acho que o governo boliviano tenha conhecimento geológico suficiente neste momento para afirmar isso.'

De acordo com Pires, o novo ministro de Hidrocarbonetos pode estar 'blefando'. O governo negocia novos contratos de Exploração e Produção (E&P) de gás com várias companhias e pode quer usar esse tipo de argumento para reduzir o valor dos ativos. O Ministério de Hidrocarbonetos já anunciou que não admitirá às empresas petrolíferas contabilizar as reservas em seus balanços. Esse é um dos temas das negociações entre as empresas.

No caso da Petrobrás, apenas 3,7% das reservas da companhia estão em campos bolivianos onde a companhia brasileira detém participações. 'A perda disso para a Petrobrás será mínima. Aliás, o negócio Bolívia para a Petrobrás é algo pequeno, não afetará o resultado da empresa como um todo. A preocupação no caso dessa crise é a de termos algum problema no abastecimento de gás natural para o Brasil, dada a dependência que criamos deles', disse Pires. Metade do gás natural consumido no Brasil sai do subsolo boliviano.