Título: Usos e abusos nas propostas dos candidatos
Autor: Cid Carvalhaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2006, Espaço Aberto, p. A2

A cada dois anos os eleitores brasileiros são atingidos por grande número de propostas de candidatos que insistem em usar o delicado tema da saúde como bandeira de suas campanhas. A abordagem do assunto pela maioria dos candidatos a cargos legislativos e executivos costuma ser contra-indicada por quem tem bom senso e responsabilidade. Muitos prometem resolver os problemas da saúde, da educação e da segurança, falando de uma forma genérica, sem levar em consideração as reais necessidades da população e dos profissionais envolvidos.

Vejam só o exemplo da promessa de construção de um hospital. Poucos sabem que são necessários recursos previstos em orçamento e que o investimento para montar e manter uma instalação importante como essa chega a ser muitas vezes maior que o preciso para a edificação.

Muitos chefes de Executivo acabam transformando uma construção destinada a hospital num monumento à incompetência, num elefante branco, porque não querem ou não conseguem recursos para comprar móveis e equipamentos e contratar profissionais especializados para pôr a unidade em funcionamento.

Tenho viajado muito pelo Brasil e constatado que a situação da saúde no País é disforme, conflitante e contraditória. Vivemos em ilhas de excelência capazes de concorrer - e até superá-los - com grandes centros de saúde do mundo. Isso em contraste com bolsões de miséria, que ostentam pobreza, capazes de ganhar das regiões mais pobres do planeta.

É um quadro em que há saúde rica para os ricos e saúde pobre para os pobres. Isso tem motivado os mais diversos e mirabolantes planos eleitorais para a solução de problemas que acabam se transformando em meros acenos eleiçoeiros.

Na realidade, estamos à mercê de novas ameaças que levam a decepções à medida que nos aproximamos da disputa eleitoral. Curiosa e desgraçadamente, os candidatos atrelam o tema da saúde a todos os patamares políticos e fazem disso alavanca propulsora de conquista de votos, graças à credibilidade ou incredibilidade do eleitor.

O que já é bom pode ser melhorado, aperfeiçoado. É o caso dos tratamentos de alta complexidade, cirurgias cardiovasculares, neurológicas, transplantes de órgãos, diagnósticos por métodos gráficos, de imagens e registros fisiológicos os mais sofisticados. No caso da prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis, as DSTs, o Brasil é referência mundial.

Mas o que mais aparece nos cenários nacional e internacional são as nossas mazelas, representadas pelas verminoses, que se alastram pelos quatro cantos do País, pelas epidemias de dengue, sob o olhar complacente dos que se dizem grandes autoridades da saúde, e pelas filas em hospitais e ambulatórios públicos, com doentes, muitos deles em estado grave, mendigando atendimento. Isso sem falar nas doenças que estão voltando, como a esquistossomose, a recrudescência dos casos de tuberculose e a hanseníase. Focos endêmicos de muitas doenças poderiam ser controlados por programas de prevenção e vacinação mais amplos e eficazes, mas os recursos passam longe das necessidades da população.

A saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. No papel, tudo funciona. Na prática, o cidadão não consegue exercer o seu direito e a responsabilidade do Estado é transferida para a iniciativa privada, cuja lógica é a da lucratividade desmedida e abusada.

Por outro lado, o Sistema Único de Saúde (SUS), o maior plano de saúde do mundo, sofre com o descumprimento da lei que determina as porcentagens que o governo federal, os governos estaduais e as prefeituras deveriam investir na saúde pública.

As ações irresponsáveis de muitos políticos e chefes de Executivos prejudicam a população e também os profissionais da área da saúde. Veja-se, por exemplo, a lamentável indústria dos cursos de Medicina. Somos radicalmente contra a abertura de novos cursos. A grande maioria deles não possui corpo docente qualificado, nem mesmo para preparar e inserir o novo médico no mercado de trabalho. O problema se agrava quando se trata de residência médica. Apenas 7,5 mil graduados/ano têm condições de fazer residência, o que resulta na formação de um médico generalista, com pouca informação. Já são 27 cursos de Medicina no Estado de São Paulo e 151 no Brasil, formando aproximadamente 15 mil médicos por ano. Nos últimos 44 anos foram abertos 2,57 cursos por ano, a grande maioria na Região Sudeste. Temos médicos em número acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde, ou seja, um para cada mil habitantes. O Brasil tem aproximadamente 300 mil médicos para 186 milhões de habitantes.

Entendemos que valorizar a formação e o trabalho do médico é valorizar o paciente, o ser humano. É preciso ficar atento aos que fazem de conta que não enxergam a realidade brasileira. São muitos os que não querem mudar a estrutura da saúde privada, à qual tem acesso menos de um quarto da população brasileira. É um sistema perverso de intermediação que cobra muito caro do usuário e remunera muito pouco o médico e os demais prestadores de serviços. Além disso, os planos de saúde impõem medidas restritivas de toda ordem, tendo como resultado final a exclusão dos atendimentos.

Enfim, estamos diante de um panorama indefinido, sombrio, palco adequado para ações demagógicas, tecnicamente insustentáveis, politicamente incorretas e resultado final lamentável.

Ao leitor atento e ao eleitor consciente se sugere aconselhamento com as entidades médicas e especialistas no assunto para conhecimento de suas verdadeiras proposituras de solução, equacionadas numa política de saúde eficiente, ágil, resolutiva e de inclusão. Na hora de votar, seja consciente e faça um brinde à sua saúde.