Título: Reeleição barra volta dos neoliberais, diz documento
Autor: Sérgio Gobetti, Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2006, Nacional, p. A6

O documento preparado pela cúpula do PT para servir como base de programa para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz duras críticas à gestão de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, identificado com o ¿bloco conservador¿ e as ¿forças do atraso¿. Na tentativa de cativar o eleitorado tradicional do PT, o texto apresentado ontem tenta destacar as diferenças ideológicas com a aliança PSDB-PFL e ressuscita até mesmo expressões como ¿neoliberal¿, eliminadas do dicionário petista desde que seu governo passou a repetir na economia a mesma política de FHC.

¿Em outubro de 2002 o povo brasileiro elegeu Lula para presidir um país corroído por profundas contradições econômicas, sociais e políticas que deixaram um legado de desigualdade, autoritarismo e dependência externa¿, são as primeiras palavras do programa. ¿A reeleição de Lula é a garantia de que não haverá retrocesso, de que a transição para um novo Brasil não terá seu curso interrompido.¿

Em suas 30 páginas, o documento exagera nos adjetivos negativos imputados à gestão tucana e afirma que a ¿oposição neoliberal¿ não tem autoridade moral e credibilidade política para criticar a gestão do PT. ¿Como podem falar em ética os autores da privataria que entregou grande parte das empresas estatais em processos marcados por graves denúncias e irregularidades?¿, questiona o texto dos aliados de Lula.

O texto acusa ainda os pefelistas e tucanos de terem engavetado denúncias na Justiça ou de terem deixado de investigá-las ¿nas dezenas de CPIs abafadas na Câmara, no Senado e na Assembléia Legislativa de São Paulo¿. Também diz que o governo FHC mergulhou o País na estagnação e submeteu-se aos interesses do capital financeiro.

Todo esse discurso de esquerda é construído com o objetivo tanto de se diferenciar dos tucanos quanto justificar para o público interno do PT por que não foi possível avançar mais em três anos e meio. ¿A forte instabilidade macroeconômica nos obrigou a adotar um conjunto de medidas de política econômica, muitas das quais tiveram um efeito de imprimir uma certa lentidão às transformações que defendíamos¿, afirmou o coordenador do programa, Marco Aurélio Garcia.

Na prática, contudo, o documento não aponta nenhuma mudança de rumo nos pilares da política econômica outrora criticada. As diferenças de discurso estão concentradas na ênfase dada ao gasto público e ao papel do Estado no desenvolvimento econômico, e não nos instrumentos macroeconômicos. ¿A oposição quer a ineficiência do Estado mínimo¿, diz o programa petista.

Contraditoriamente, Garcia disse ontem que ¿a ideologia faz mal para a esquerda e para a direita¿ ao justificar a opção de programa. ¿Temos de nos livrar da ideologia¿, pregou.