Título: Calderón já prepara discurso da vitória
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2006, Internacional, p. A14
A decisão da Justiça Eleitoral do México de rejeitar o pedido de recontagem de todos os votos das eleições presidenciais de 2 de julho - feito pelo líder oposicionista Andrés Manuel López Obrador, que perdeu por meio ponto percentual - abriu o caminho para o anúncio oficial da vitória do conservador Felipe Calderón. Isso deve ocorrer antes da próxima quarta-feira, quando termina o prazo constitucional para o tribunal eleitoral, conhecido como Trife, proclamar o nome do presidente eleito. Antes, porém, o Trife terá de rejeitar uma nova moção de López Obrador, pedindo a anulação da eleição. A recusa é considerada certa, pois o pedido se baseia nos mesmos argumentos sobre irregularidades que o tribunal rejeitou acolher na segunda-feira.
Num sinal adicional de que o desfecho está próximo, ontem o porta-voz do presidente Vicente Fox adiantou que o líder mexicano prepara mensagem ao país na qual 'dará por encerrado o processo eleitoral'. Rubén Aguillar acrescentou que, 'com a brevidade possível', Fox marcará um encontro com o vencedor oficial para começar a discutir a transição do governo, em 1º de dezembro. Aguillar desconsiderou a ameaça de resistir ao veredicto judicial feita por López Obrador na noite de segunda-feira, quando ele disse, reagindo à decisão do Trife, que 'os mexicanos jamais aceitarão novamente que um um governo ilegal e ilegítimo se instale'. O oposicionista referia-se à eleição de 1988, que o candidato da situação Carlos Salinas roubou do oposicionista Cuauhtémoc Cárdenas, com a ajuda de Manuel Camacho Solis, que, ironicamente, é hoje um dos principais assessores de López Obrador.
Rossana Fuentes Berain, professora do Instituto Tecnológico Autônomo do México (Itam) e editora da revista Foreign Affairs en Español, disse ontem ao Estado que 'os próximos desdobramentos da crise serão condicionados por dois fatores: primeiro, se a decisão dos juízes do Trife de rejeitar o pedido de anulação da eleição será unânime; segundo, pelo discurso que López Obrador fará no dia 16 na grande manifestação que convocou'.
De acordo com Rossana, a julgar pelos recentes pronunciamentos do oposicionista, López Obrador poderá proclamar-se presidente, anunciar a formação de um governo paralelo e fazer resistência pacífica. Ele também poderá não proclamar-se presidente, mas anunciar um movimento de mobilização popular permanente de resistência, e poderá usar os milhões de votos que recebeu para proclamar-se líder de uma oposição combativa.
Rossana e outros analistas acreditam que não há clima para sustentar uma rebelião popular. Apontam como evidência disso a redução substancial do número de pessoas acampadas com López Obrador no Zócalo (praça central da capital).
Outro cálculo de consenso é que os seis governadores do Partido da Revolução Democrática, de López Obrador, apoiarão o líder oposicionista só se ele colocar-se como tal. 'Os governadores têm interesse em ter relações operacionais decentes com o governo central, pois dependem dele para ter acesso a fundos', disse Rossana.
Em qualquer cenário, Calderón terá de mostrar todo seu talento negociador e o compromisso para governar um país polarizado, no qual seu partido terá de buscar aliados para dar-lhe uma base parlamentar no novo Congresso, instalado ontem.