Título: Brasil ganha US$ 27 mi do exterior para tentar conter a tuberculose
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2006, Vida&, p. A16

José Carlos de Araújo Silva, de 56 anos, cumpre uma rotina diária há quatro meses: faça chuva ou sol, ele vai a uma unidade básica de saúde no centro de São Paulo para tomar uma série de comprimidos na frente de uma enfermeira. 'É melhor porque eu não me esqueço dos remédios.' É essa história que o Fundo Global contra Aids, Tuberculose e Malária espera disseminar no Brasil com a doação de US$ 27 milhões (cerca de R$ 58 milhões), recebidos ao longo de cinco anos. A primeira parcela chega até o fim de setembro.

Silva segue uma estratégia de tratamento recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há dez anos - que prega o monitoramento diário dos pacientes -, mas que ainda dá seus primeiros passos aqui. Isso apesar de ela ter sido abraçada pelo governo há sete anos e o País se encontrar na 15ª posição no ranking das 22 nações com mais doentes no mundo. 'Não devemos achar que 5 mil óbitos são pouca coisa. Temos um índice de quase 50 pessoas com tuberculose em 100 mil habitantes. É uma situação grave, um problema de saúde pública', diz Ezio Távora dos Santos Filho, coordenador do projeto no País.

O dinheiro será aplicado em dez regiões metropolitanas e Manaus. Os focos são mobilização social, convencimento de gestores, profissionais de saúde e convênios, aprimoramento dos laboratórios de análise clínica e melhoria da vigilância epidemiológica. São ações amplas, bancadas inicialmente pelo fundo - a tendência é que o governo absorva o custo até o fim do prazo.

O governo gastou R$ 118 milhões entre 2003 e 2006 neste programa, e promete investir o mesmo valor até 2007. Mas o gasto é pulverizado em coordenação, monitoramento e supervisão. A doação é a chance de o País impulsionar de vez o programa, pois não será consumida em atividades cotidianas.

SITUAÇÃO CONSTRANGEDORA De 1999, quando o País assumiu as recomendações da OMS, até 2004, já com a nova administração federal, pouco avanço foi alcançado. Houve demora dentro do ministério para que o problema fosse atacado prontamente. 'O programa tem excelência técnica, mas perdeu tempo', diz Jarbas Barbosa, secretário nacional de Vigilância em Saúde.

Segundo o epidemiologista Antonio Ruffino-Neto, ex-coordenador do programa do Ministério da Saúde, outro agravante foi a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). A descentralização da gestão de saúde permitiu que a estratégia variasse de acordo com o Estado, o município e até o bairro. Enquanto a favela da Rocinha, no Rio, é tida como exemplo de sucesso, o município como um todo é problemático.

Margareth Dalcomo, coordenadora do ambulatório do Centro Nacional de Referência Prof.

Helio Braga, no Rio, concorda: 'A descentralização fez com que Estados e municípios seguissem ritmos diferentes.' Ela conta ser 'muito constrangedor' explicar por que tanta gente morre de tuberculose no Brasil. 'O diagnóstico é simples, o tratamento é gratuito e eficaz. Mas a estrutura do serviço é inadequada e falta acesso universal a esta estratégia.'

FÁCIL DE PEGAR E DE TRATAR A tuberculose é uma doença respiratória, mas pode ser ativada em qualquer órgão além do pulmão. É causada pela bactéria

Mycobacterium tuberculosis e transmitida pelo ar sempre que uma pessoa doente tosse, espirra ou fala. Locais fechados, como cadeias e asilos, são propícios para sua proliferação, assim como ambientes prosaicos como um metrô lotado.

Calcula-se que um terço da população já tenha se infectado, mas apenas uma parcela desenvolve a doença.

Assim como é fácil pegar e repassar, é simples tratar: dentro de seis a oito meses a pessoa está curada, e no primeiro mês pára de repassar a bactéria. Logo os sintomas passam. Aí reside o perigo. Ao sentir-se melhor, o paciente com freqüência abandona os remédios. Assim, ele pode voltar a adoecer e transmitir para outros sem saber.