Título: Acusação de espionagem abre crise diplomática entre Rússia e Geórgia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2006, Internacional, p. A18

A detenção de cinco militares russos na Geórgia sob a acusação de espionagem desatou ontem uma grave crise diplomática entre os dois países. Os cinco são agentes do serviço de inteligência ligado às tropas russas instaladas no país. Eles foram presos na noite de quarta-feira, junto com dez cidadãos georgianos que teriam colaborado com os estrangeiros.

'Durante meses, os militares russos participaram de atividades de espionagem e decidimos atuar para neutralizá-los', justificou o ministro do Interior da Geórgia, Vano Merabishvili. Depois de prender os agentes, a polícia georgiana cercou o quartel-general das tropas russas em Tbilisi, a capital, para exigir a entrega de um sexto militar. Todos que queriam entrar no edifício tinham seus documentos de identidade checados.

O governo russo reagiu ordenando a remoção dos funcionários de sua missão diplomática na Geórgia e convocando uma reunião do Conselho de Segurança da ONU. Segundo a porta-voz da missão russa nas Nações Unidas, Maria Zaharova, a consulta seria feita ainda ontem, numa sessão a portas fechadas.

A embaixada russa em Tbilisi suspendeu a expedição de vistos para georgianos visitarem a Rússia e o embaixador, Viacheslav Kovalenko, foi chamado de volta a Moscou 'para consultas' sobre o incidente. 'Já pedimos a libertação imediata dos cidadãos russos e vamos tentar conseguir isso por todos os meios disponíveis', afirmou o chanceler russo, Serguei Lavrov. Segundo o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Ivanov, a polícia georgiana teria espancado seis militares russos em outro incidente num porto em Batumi. 'Esses atos são uma tentativa de provocar, com a histeria típica das lideranças da Geórgia, uma reação imprópria da Rússia', disse Ivanov.

RELAÇÕES TENSAS

As relações entre os dois países estão tensas desde 2003, quando o movimento conhecido como Revolução das Rosas depôs os antigos líderes georgianos, aliados de Moscou, e elevou ao poder o reformista Mikhail Saakashvili, favorável à aproximação com o Ocidente. O novo presidente assumiu prometendo afastar a Geórgia da influência dos russos e estreitar seus laços com a Otan e os Estados Unidos.

A Rússia ainda têm duas bases militares na Geórgia - uma em Batumi, nas margens do Mar Negro, e a outra em Aljalkalaki, na fronteira com a Turquia. Em maio do ano passado um acordo entre os dois países estabeleceu que ambas devem ser desativadas até 2008 .

Na semana passada, durante um discurso na Assembléia-Geral da ONU, em Nova York, Saakashvili acusou a Rússia de querer anexar as províncias da Ossétia do Sul e Abkhásia, que estão dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas da Geórgia, mas são governadas por movimentos separatistas desde os anos 90.

Há muitos anos os georgianos reclamam do apoio de Moscou a grupos que reivindicam a autonomia dessas duas regiões. Recentemente, eles também têm acusado os russos de travar uma guerra econômica contra a Geórgia através de embargos às importações de produtos do país e de tentar derrubar o governo de Saakashvili .

No início do mês, as autoridades georgianas abortaram um ataque a bomba contra a sede do partido governista. As vinte pessoas que foram detidas , acusadas de tramar um golpe de Estado patrocinado por forças estrangeiras, faziam parte de um partido apoiado pelos russos.

De acordo com Merabishvili, o ministro do Interior da Geórgia, o grupo de militares russos presos na quarta-feira estava atrás de informações sobre 'o acordo de cooperação da Geórgia com a Otan, a situação de segurança energética, os partidos de oposição, a importação de armamentos e as comunicações por via férrea e marítima'.

Ontem, o governo da Geórgia repassou para a imprensa do país uma série de gravações secretas que provariam as 'atividades subversivas' dos militares russos. Segundo uma rede de televisão que recebeu as fitas, elas mostram encontros secretos em que os agentes russos entregam altas somas de dinheiro a cidadãos georgianos.