Título: Síndrome de censura
Autor: Carlos Alberto Di Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

A coligação Paraná Forte, do governador licenciado Roberto Requião (PMDB), encaminhou recentemente à Corregedoria-Geral do Ministério Público do Paraná um pedido de quebra do sigilo telefônico dos jornalistas Caio Castro Lima, Karlos Kohlbach e Celso Nascimento, todos da Gazeta do Povo, e Mari Tortato, da Folha de S.Paulo - profissionais da imprensa que assinaram reportagens a respeito dos grampos telefônicos feitos pelo policial civil Délcio Rasera, ex-funcionário da Casa Civil do governo do Paraná e que se apresentava como assessor de Requião.

O pedido da coligação que apóia o governador Requião lembra, e muito, os argumentos esgrimidos pelo ministro da Justiça para impedir a divulgação da dinheirama que seria usada pelo PT para comprar um dossiê contra os tucanos: proteger o segredo de Justiça. Por outro lado, o candidato quer saber quem entregou aos jornalistas as informações sobre o esquema de escutas telefônicas clandestinas. Na prática, caro leitor, não se quer a apuração da verdade, que, presumivelmente, deveria ser o primeiro objetivo de um governante.

O segredo de Justiça não pode ser um aliado da impunidade. Na verdade, o princípio constitucional da publicidade, pelo qual qualquer cidadão tem direito a obter das autoridades públicas informações de interesse pessoal e geral, é, na expressão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), 'verdadeira pedra angular sobre a qual se edifica o Estado Democrático de Direito, pois a exigência de transparência se qualifica como prerrogativa inalienável que assiste a todos os cidadãos'. Não me parece razoável, portanto, que a Justiça impeça a imprensa de publicar informações autênticas, não produzidas pelos veículos, mas devidamente apuradas e, ademais, dotadas de interesse público relevante.

Em nota à imprensa, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Nelson Sirotsky, afirmou que 'é lamentável que candidatos a mandatos populares pretendam impedir o livre acesso da sociedade às informações e, mais grave ainda, pressionar profissionais da imprensa mediante a quebra do seu sigilo telefônico'. A Associação Paulista de Jornais (APJ), presidida por Fernando Salerno, manifestou posição idêntica. Assuntos de interesse público relevante não podem estar submetidos à censura, seja aberta ou dissimulada.

O pedido da coligação Paraná Forte bate de frente com a Constituição. No capítulo Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, artigo 5º, IX, está dito que 'é livre a expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, independentemente de censura ou licença'. No capítulo Da Comunicação Social, artigo 220, está definido que 'a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição'. Para evitar interpretações equivocadas o legislador sublinhou no parágrafo 1º desse mesmo artigo que 'nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social'.

Ademais, a Constituição resguarda o sigilo da fonte. A coligação Paraná Forte, em rota de colisão com a norma constitucional, quer derrubar precisamente o sigilo da fonte.

O direito à informação, intimamente relacionado com o direito à liberdade de expressão, é um pré-requisito da democracia. A opinião pública percebe, com razão, que só um jornalismo investigativo, apoiado na liberdade de expressão e no direito à informação, implodirá a cultura da corrupção e do autoritarismo.

Além de inconstitucional, o pedido de Requião caminha na contramão do anseio de transparência na coisa pública que domina a sociedade brasileira. Sua postura autoritária, muito semelhante ao comportamento do presidente Lula, terá sido, certamente, responsável por sua ida para o segundo turno. A sociedade não admite mais lideranças que atropelam a democracia e as leis.

Os meios de comunicação existem para incomodar. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, sem precipitações e injustos prejulgamentos, é parte importante na recuperação da ética na vida pública. O jornalismo público não pode ser pautado pelos interesses dos governantes ou candidatos, mas pelo interesse do cidadão. Não podemos sucumbir às estratégias do marketing político que transformam coberturas jornalísticas num show de chavões e num triste espetáculo de inconsistência. O Brasil depende da qualidade técnica e ética da sua imprensa.

A experiência demonstra que a escassez de informação tem sido uma aliada da perpetuação da impunidade. É claro que os veículos podem e devem ser responsabilizados judicialmente por eventuais abusos cometidos na sua atividade. Mas isso nada tem que ver com evidentes tentativas de imposição da censura prévia.

Como já disse neste espaço opinativo, não defendo uma imprensa acima da lei. Afinal, a responsabilidade é o outro nome da liberdade. Precisamos, todos, jornalistas, editores e formadores de opinião, desenvolver um sério empenho de qualificação das informações que chegam às nossas mãos. Tais cuidados éticos, importantes e necessários, não podem significar injustas tentativas de comprometimento da liberdade de imprensa.

Sou contra a censura. Ela fez muito mal ao Brasil. Por isso, minha defesa da ética passa, necessariamente, por uma imprensa livre.

Como já disse inúmeras vezes, a vida na melhor das ditaduras não supera um só dia na pior das democracias.