Título: Diálogo na Colômbia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2006, Notas e Informações, p. A3
Pela primeira vez, desde 1999, o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) demonstram alguma disposição para iniciar a negociação de uma paz que ponha fim a mais de 40 anos de guerra insurrecional. Há cerca de uma semana, o presidente Alvaro Uribe autorizou o início de negociações com a guerrilha, para a formação de um 'pacto humanitário', que consistiria na desmilitarização dos municípios de Florida e Pradera, com uma área de 850 km2, para possibilitar a troca de 59 reféns feitos pelas Farc - entre eles a senadora Ingrid Betancourt, capturada em 2002 - por 500 guerrilheiros presos.
A simples realização dessas negociações é um indicador do sucesso da estratégia de combate à guerrilha que o presidente Alvaro Uribe vem seguindo desde que assumiu o governo, em 2003. Entre 1999 e 2002, o governo de Andrés Pastrana desmilitarizou uma área de 42 mil km2 - condição imposta pelas Farc para iniciar negociações de paz. Mas o que a guerrilha queria não era uma solução política para o conflito, mas sim obter um 'santuário'. Naquela área, onde não podiam entrar militares e policiais, as Farc montaram campos de treinamento e repouso, cultivaram coca e instalaram plantas de processamento de pasta da droga e construíram cativeiros para pessoas que eram seqüestradas e depois trocadas por dinheiro. Pastrana demorou mais de três anos para perceber que as Farc estavam usando a trégua unicamente para se fortalecer, financeira e militarmente. No final de seu mandato, determinou o reinício das operações militares contra as Farc.
Seu sucessor, Alvaro Uribe, aceitou a ajuda norte-americana para combater a guerrilha, na forma de dinheiro, equipamentos e treinamento militar, desarmou os bandos de paramilitares de direita, originalmente criados por fazendeiros como forças de autodefesa contra as Farc, e intensificou a ofensiva militar. O resultado dessa nova política foi o enfraquecimento da guerrilha, uma redução notável dos índices de criminalidade nas cidades e o fim da onda de seqüestros.
Reeleito em maio com a promessa de que manteria a pressão sobre as Farc, Alvaro Uribe pode ter, agora, a possibilidade de encontrar uma solução política para o conflito. Mas, para isso, precisa continuar agindo com firmeza.
O principal negociador das Farc, Raúl Reyes, propôs publicamente que os atuais contatos não se limitem à troca de reféns por prisioneiros - uma posição diametralmente oposta à que a guerrilha tinha há três anos quando, em entrevista ao Estado, Reyes descartou qualquer possibilidade de contato com Uribe. Essa disposição para negociar deve ser vista com cautela. Em 1999, as Farc apresentaram, como condição para o fim do conflito, uma série de exigências que, se atendidas, introduziriam na Colômbia um regime maoísta. Além disso, passaram a tratar a zona desmilitarizada como um território separado do Estado colombiano. Chegaram mesmo a sondar governos europeus sobre a possibilidade de reconhecerem o estado de beligerância - o que daria às Farc uma nova dimensão jurídica. A simbiose entre a guerrilha e o narcotráfico, no final, acabou com qualquer boa vontade que pudesse haver em relação às Farc.
As Farc, obviamente, acham que podem repetir o engodo de 1999. Para ampliar as negociações e para 'garantir que o país terá surpresas agradáveis todos os dias', Raúl Reyes propõe a desmilitarização dos Estados de Caquetá e Putamayo - uma área de cerca de 114 mil km2 onde há grande produção de coca -, a suspensão dos mandados de captura dos chefes guerrilheiros e que as Farc deixem de ser consideradas uma organização terrorista.
Escaldado pela desastrosa experiência de Andrés Pastrana, Alvaro Uribe aceita negociar, mas impõe limites rígidos. Só aceita a desmilitarização dos municípios de Florida e Pradera, nos quais não entrarão as forças militares e policiais do governo, mas também não entrarão guerrilheiros armados. A desmilitarização será feita pelo período de apenas 45 dias - o suficiente para a troca de reféns por prisioneiros. Acima de tudo, advertiu Alvaro Uribe, a área desmilitarizada 'não poderá ser uma zona de refúgio do delito, não poderá ser um campo de recuperação militar para o terrorismo, pressionado por guerra política. Deve ser uma zona de encontro que prove aos colombianos e à comunidade internacional que existe boa-fé para a paz'. Esse é o caminho certo.