Título: Desonerar a folha
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2006, Economia, p. B2

A idéia de reduzir os encargos sociais que incidem sobre a folha de pagamentos das empresas foi retomada, na semana passada, pela Comissão Mista do Congresso Nacional, criada para sugerir uma política de reajuste para o salário mínimo. A proposta aprovada pela Comissão, na forma de um projeto de lei, prevê uma grande mudança na tributação da Cofins.

A alíquota da Cofins seria elevada dos atuais 7,6% para 10%, mas ela passaria a incidir sobre o faturamento bruto deduzido do valor da folha de salários e do valor da contribuição patronal de 20% paga ao INSS. Para as empresas que pagam a Cofins pelo antigo sistema cumulativo, a alíquota subiria dos atuais 3% para 4%. A Comissão Mista propôs ainda a redução da alíquota da contribuição patronal ao INSS dos atuais 20% para 15%.

A fórmula não extingue, formalmente, a contribuição patronal ao INSS. Apenas reduz a sua alíquota e permite que ela seja deduzida da base de cálculo da Cofins, o que na prática corresponde a uma substituição de uma pela outra.

Não haveria alterações em qualquer outra contribuição previdenciária. Ou seja, seriam mantidas a contribuição incidente sobre os pagamentos de prestação de serviços intermediados por cooperativas de trabalho, a contribuição do empregado descontada do salário e a incidente sobre a folha de pagamentos a trabalhadores sem vínculo empregatício.

No início do governo Lula, a equipe econômica defendeu a substituição da contribuição patronal ao INSS que incide sobre a folha de salários por um tributo sobre o faturamento. O objetivo dessa medida era reduzir os custos de contratação da mão-de-obra, de tal forma que os empresários fossem estimulados a assinar a carteira de seus empregados.

Atualmente, os elevados custos da contratação condenam mais da metade da população brasileira economicamente ativa à informalidade. Os trabalhadores sem carteira assinada não gozam de nenhuma proteção social, como, por exemplo, o seguro desemprego. A informalidade reduz igualmente as receitas previdenciárias e tributárias.

O professor José Pastore estima que, para empregar um funcionário legalmente, uma empresa industrial tem de arcar com uma despesa de contratação de 103,46%. Ou seja, o custo total de um trabalhador para a empresa é mais que o dobro do salário que ele recebe.

O cálculo de Pastore é contestado por muitos, pois ele considera como custo as férias, o repouso semanal, o 13º salário, os feriados e o auxílio enfermidade, entre outros. Os críticos de Pastore dizem que esses são direitos dos trabalhadores em todos os lugares do mundo.

Mesmo considerando apenas as obrigações sociais que incidem sobre a folha de salários, o custo adicional de cada contratação com carteira assinada é de 36,3%. Neste total estão a contribuição patronal de 20% ao INSS, o FGTS, o salário educação, as contribuições para o Sistema S (Sesi, Sesc, Sest, Senai, Senac, Senat e Sebrae), para o Incra e para o seguro contra acidentes de trabalho.

O peso maior dos encargos sociais é, portanto, o da contribuição patronal ao INSS. Ela tem, além de tudo, um viés perverso, pois onera mais aquelas empresas que precisam de um número maior de funcionários em seu processo produtivo e privilegia aquelas com maior suporte tecnológico, maiores ganhos de escala e aquelas com receitas provenientes da área financeira.

Os especialistas acreditam que a redução dos encargos sociais que incidem sobre a folha estimularia os empresários a contratar os seus empregados com carteira assinada, o que reduziria a informalidade da economia e aumentaria a receita previdenciária, pois mais trabalhadores passariam a contribuir para a Previdência.

A equipe econômica propôs, no início do governo Lula, que o Congresso Nacional incluísse no texto constitucional a possibilidade da substituição total ou parcial da contribuição patronal ao INSS por uma contribuição não-cumulativa sobre o faturamento. Isto foi feito por meio da emenda constitucional 42, de dezembro de 2003. Até hoje, no entanto, este item da emenda não foi regulamentado e o assunto saiu da agenda do governo.

O principal argumento apresentado, na época, para o abandono da idéia foi o de que seria impossível fazer essa mudança ao mesmo tempo em que se alterava a forma de tributação da Cofins. No início do governo Lula, a Cofins deixou de ser cumulativa e passou a incidir sobre o valor agregado.

A área técnica da Secretaria da Receita Federal achou mais prudente que o País passasse antes pela experiência do tributo não cumulativo para, somente depois, experimentar a substituição parcial da contribuição patronal ao INSS. Mesmo porque a substituição será feita por um tributo sobre o faturamento, idêntico à Cofins. Na prática, a substituição de uma implicará a elevação da alíquota da outra.

Para os defensores da proposta, a maior formalização da mão-de-obra é um dos caminhos a serem trilhados para estabilizar ou até mesmo reduzir o déficit da Previdência Social. Há indicações de que essa alternativa voltou a ser considerada também pelos técnicos envolvidos na definição da reforma fiscal que será adotada num eventual segundo mandato de Lula.

Dentro do governo, a discussão em torno do tema decorre da decisão de que não se deve fazer a reforma da Previdência Social agora. Embora o diagnóstico seja de que as contas previdenciárias são 'o problema fiscal brasileiro' - pois envolvem questões estruturais, como o envelhecimento da população -, há um consenso dentro do governo de que a reforma poderá ser adiada até que se chegue a um acordo amplo com a sociedade.

Para adiar a reforma, os técnicos oficiais discutem medidas que possam reduzir as despesas previdenciárias e aumentar a receita. O corte nos gastos seria conseguido, de acordo com esta visão, por uma melhoria da gestão da Previdência e pela concessão de aumentos 'moderados' para o salários mínimo. O aumento da receita seria obtido com a criação da Receita Federal do Brasil, que permitiria um maior combate à sonegação, e pela maior formalização da mão-de-obra.

A principal dificuldade da proposta, no entanto, é o tamanho da alíquota da Cofins necessária para substituir a contribuição patronal ao INSS. Uma alíquota de 10%, como foi proposta pela Comissão Mista do Congresso, pode ser um incentivo à sonegação. Além disso, o novo sistema não pode desestimular as empresas a buscar inovações tecnológicas, indispensáveis à melhoria da sua competitividade internacional.