Título: Há três opções, sr. presidente
Autor: Richard Holbrooke
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/10/2006, Internacional, p. A17

Assim que terminarem as eleições de meio do mandato, e qualquer que seja o seu resultado, o senhor terá de tomar a decisão mais crucial do seu mandato - provavelmente a mais complicada que um presidente já teve de tomar desde que Lyndon Johnson decidiu intensificar a guerra no Vietnã, em 1965, e muito mais difícil do que suas próprias decisões tomadas na esteira do 11 de Setembro. Na época, o senhor arregimentou ao seu redor uma nação em estado de choque, derrubou o Taleban no Afeganistão e Saddam Hussein no Iraque e confrontou o Irã e a Coréia do Norte em relação aos programas nucleares deles - atuando em todos os casos com autoconfiança e uma esmagadora aprovação da população.

Agora, todos os quatro projetos correm perigo. Com muito menos apoio popular e seu mandato se esgotando, o senhor tem de reverter o recente declínio no Afeganistão, fazer a Coréia do Norte voltar às negociações com o Sexteto, isolar um Irã perigoso e arrogante que pensa que os eventos vão acontecer do jeito que quer e, acima de tudo, descobrir o que fazer com o Iraque. Portanto, permita-me oferecer algumas sugestões não solicitadas sobre essa guerra.

No geral, o senhor tem três escolhas: 'Manter o curso', intensificar o conflito ou começar a retirada do Iraque ao mesmo tempo em que pressiona fortemente para um acordo político. Eu argumentaria em favor deste terceiro curso de ação, não porque seja perfeito, mas porque é a menos ruim das opções.

Em seu pronunciamento no rádio na semana passada, o senhor disse que 'nossa meta no Iraque é clara e imutável - a vitória'. E acrescentou que uma única coisa está mudando: 'as táticas. Os comandantes em campo estão constantemente ajustando seu enfoque para se antecipar ao inimigo, particularmente em Bagdá'. Só podemos esperar que o senhor não esteja falando sério - nem que acredite nessas palavras. 'Manter o curso de ação' não é uma estratégia, é um slogan, útil em política interna, mas sem significado no campo de batalha.

Sua verdadeira opção se reduz a intensificar a batalha ou se retirar. Se a vitória - seja como for que o senhor a defina - for verdadeiramente a sua meta, deveria ter enviado mais soldados há muito tempo. O senhor e o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, disseram que os comandantes no Iraque continuam lhes dizendo que não precisam de mais tropas. Mas, francamente, mesmo que isso seja tecnicamente exato, é frustrante. Muito simplesmente, não há e nunca houve no Iraque um número suficiente de soldados para cumprir a missão.

Mas de onde viriam mais soldados? O Pentágono diz que todo o Exército voluntário está sendo exigido ao ponto de colapso. Agora, está recrutando pessoas com 42 anos de idade e reduzindo os padrões exigidos para admissão. O Afeganistão também precisa de mais soldados. E suponhamos que soldados extras não consigam virar as coisas. Será que os Estados Unidos, então, enviarão mais soldados ainda? Até mesmo os defensores da guerra não têm certeza de que intensificá-la produzirá uma virada.

A última escolha é a mais difícil para um presidente combalido em tempo de guerra - mudar suas metas, desvencilhar-se da guerra civil que já está em andamento, concentrar o máximo de esforço na busca de um acordo que implique compartilhamento de poder político e tentar restringir mais estragos para a região e o mundo.

Mesmo seus críticos mais ferozes sabem que sair do Iraque implica inúmeros riscos. O senhor já advertiu sobre as conseqüências sangrentas que podem se seguir à retirada dos Estados Unidos. Evitar essa tragédia precisa ser sua prioridade máxima. Por essa e por outras razões, não sou a favor da fixação de um cronograma para a retirada, uma vez que isso impediria qualquer flexibilidade e fortalecimento americano. Mas o tipo de mortandade que o senhor prevê após a retirada dos americanos já está acontecendo de fato, e nada do que fizemos conseguiu impedir que aumentasse rapidamente. No atual ritmo, haverá mais de 40 mil assassinatos ao ano no Iraque. Uma recente pesquisa conduzida pela Universidade de Maryland concluiu que 78% dos iraquianos entrevistados acreditam que a presença americana está agora 'provocando mais conflitos do que prevenindo-os' e que 71% apóia a retirada dos EUA dentro de um ano.

Eu insisto para que o senhor estabeleça metas realistas, reposicione nossas tropas e se concentre na busca de uma solução política. Devemos isso aos iraquianos que saudaram a derrubada de Saddam Hussein e depositaram sua confiança em nós, descobrindo depois que isso colocou suas vidas em perigo. Por solução política, entendo algo bem mais ambicioso do que os atuais esforços americanos para melhorar a situação do primeiro-ministro Nouri al Maliki mudando ministros ou estabelecendo cronogramas. O senador Joe Biden e Les Gelb defenderam o que chamam de (numa referência às negociações que puseram fim à guerra na Bósnia em 1995) uma solução 'tipo Dayton' para a situação política - com o que querem dizer uma estrutura federal mais frouxa, com muita autonomia para cada um dos três principais grupos iraquianos, e um acordo de partilha da receita do petróleo. Sua administração descartou essas propostas, e o tempo perdido desde que Gelb as apresentou pela primeira vez, há mais de três anos, tornou-as mais difíceis de alcançar.

Há duas semanas apenas, o Parlamento iraquiano deu um grande passo para criar regiões mais poderosas, com uma interessante provisão para retardar essa implementação por 18 meses. O senhor poderia usar essa legislação como lastro para negociar um acordo de paz para a divisão do poder e da receita do petróleo, enquanto reposiciona e reduz nossas forças no Iraque. Se esse esforço falhar, não terá perdido nada tentando.

Os que dizem que essa é uma proposta de divisão do Iraque em três países (o que não é) e desencadearia uma guerra civil total estão distorcendo a idéia sem oferecer nada em seu lugar. Faça o que fizer, senhor presidente, o senhor deveria enviar tropas americanas ao norte do Iraque (Curdistão), que ainda está seguro, mas cada vez mais tenso, para reduzir o risco muito concreto de uma guerra turco-curda. Tanto os turcos como os curdos receberiam bem essa presença americana, mas ela teria de ser acompanhada pelo fim dos ataques terroristas curdos na Turquia. Isso permitiria o rápido deslocamento de tropas das Forças Especiais para outras partes do Iraque, caso surja um alvo terrororista, e mostraria ao mundo que o senhor não está recuando do compromisso dos EUA com o Iraque.

Nos últimos anos, quase todos os defensores de uma mudança na política foram acusados de querer 'cair fora'. Uma retórica dessas trabalha contra o bipartidarismo que uma crise dessa magnitude requer.

Mas, se o senhor decidir pela retirada dos soldados americanos sem um cronograma fixo e buscar um acordo político, a liderança responsável do Partido Democrata certamente trabalharia com o senhor, especialmente se o Grupo de Estudos Iraquianos, co-presidido por James Baker e Lee Hamilton, recomendar mudanças significativas na política - que o senhor poderia usar como ponto de partida para reconstruir um consenso nacional bipartidário.

Esta crise é grave demais para recriminações. Se ainda estivermos em guerra durante a campanha presidencial de 2008, como parece provável, se o senhor não mudar o curso, isso não beneficiará nenhum dos partidos e deixará o seu sucessor com as mesmas escolhas que o senhor enfrenta agora, mas em circunstâncias bem piores.