Título: Nova 'bondade eleitoral' de Lula
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2006, Notas e Informações, p. A3
Nova 'bondade eleitoral' de Lula
Todo o avanço que o País conquistou na área fiscal nos últimos anos, com a moralização da gestão das finanças públicas graças à imposição de severas regras para a aplicação do dinheiro do contribuinte e à instituição de penas para quem as desrespeitar, estará ameaçado caso o presidente Lula, se reeleito, reabra a discussão das dívidas dos Estados e municípios. Essa hipótese foi admitida pelo próprio presidente-candidato a emissoras de rádio do Rio Grande do Sul, às quais afirmou que um grupo de trabalho será incumbido de examinar a situação dos Estados cujo endividamento seja superior aos níveis permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
É enorme o risco, para o equilíbrio das finanças públicas, contido na nova promessa eleitoral do presidente-candidato. Qualquer mudança que, para beneficiar um correligionário do presidente, a União aceitar fazer nas condições em que o Estado renegociou sua dívida há mais de oito anos, estimulará todos os demais governadores a pressionar Brasília no sentido de também obter vantagens semelhantes. Se isso ocorrer, começará a ser corroído pela base todo o processo de reorganização das finanças públicas que resolveu a questão das dívidas estaduais e municipais e abriu caminho para a aprovação da LRF e da Lei de Crimes Fiscais.
Até 1997, a União precisou renegociar com freqüência dívidas de Estados e alguns municípios virtualmente falidos. Naquele ano, o governo FHC consolidou as dívidas estaduais e municipais, subsidiando seu custo - a juros bem inferiores aos praticados pelo mercado e menores até do que aqueles que a União pagava aos que aceitavam seus papéis - e alongando seu prazo. Isso deu fôlego aos governos que, na época, precisavam rolar seus papéis em prazos muito curtos e a um custo cada vez mais alto. Era grande o risco de, em algum momento, esses papéis serem rejeitados pelo mercado.
Em contrapartida, Estados e municípios comprometeram-se a cumprir metas. As principais limitavam as despesas com pessoal e a dívida consolidada líquida a uma determinada porcentagem da receita disponível líquida. O Tesouro Nacional passou a acompanhar com rigor o desempenho dos devedores. Não foi fácil para a maioria deles cumprir as metas. Mas relatórios recentes do Tesouro indicam que a imensa maioria as respeitou.
Entre os Estados, apenas dois não estão enquadrados nas regras, Alagoas e Rio Grande do Sul. No fim do terceiro trimestre do ano passado, a dívida do primeiro estava em R$ 602 milhões acima do limite determinado por resolução do Senado Federal; a do segundo, R$ 549 milhões. Em termos proporcionais o caso de Alagoas parece mais sério do que o do Rio Grande do Sul.
Mas não é Alagoas que preocupa Lula; é o Rio Grande do Sul. Não por acaso, o presidente tratou do tema em Porto Alegre. E fez isso por cálculo meramente eleitoral. Eleitoralmente, o peso de Alagoas é muito menor do que o do Rio Grande do Sul. E foi neste último Estado que, no primeiro turno, o adversário de Lula, Geraldo Alckmin, apresentou um de seus melhores desempenhos em todo o País. É lá também que, entre os Estados em que o PT e seus aliados têm candidato a governador disputando segundo turno, a situação parece mais difícil.
O caso de municípios altamente endividados não foi tratado de maneira explícita pelo presidente, mas merece exame. A situação mais grave - pior que os casos de Alagoas e do Rio Grande do Sul somados - é a do Município de São Paulo. A dívida municipal é de R$ 31,4 bilhões, praticamente o mesmo valor da dívida gaúcha. Ocorre que, pelas regras da renegociação, a dívida paulistana deveria ser de R$ 17,0 bilhões (dados relativos ao fim do terceiro trimestre de 2005). Ou seja, está R$ 14,3 bilhões acima do limite.
A situação de São Paulo, que seria beneficiada numa eventual renegociação, foi omitida por Lula por um motivo simples. A dívida paulistana cresceu exponencialmente na gestão da petista Marta Suplicy, que se tornou coordenadora da campanha do presidente em São Paulo, no segundo turno. Para os petistas, quanto menos se falar de sua passagem pela Prefeitura paulistana, melhor.
Enfim, vamos esperar que, se reeleito, Lula, que não se envergonhou de fazer a promessa, não se envergonhe de não cumpri-la.