Título: EUA acusam Brasil na OMC de criar subsídios na 'MP do Bem'
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2006, Economia, p. B1

O governo dos Estados Unidos levou a 'MP do Bem' à Organização Mundial do Comércio (OMC) e deixou claro que os incentivos criados pela lei estarão no radar da Casa Branca nos próximos meses e poderão provocar reação. Washington questiona uma das principais iniciativas do governo Luiz Inácio Lula da Silva no setor industrial e alerta que certos pontos da medida provisória poderiam ser classificados como 'subsídios proibidos'.

O questionamento ainda atinge o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já que Washington também pediu explicações ao Brasil sobre o programa de financiamento Finame. A principal preocupação é de que os programas possam ser formas de subsídio governamental ao setor industrial, o que é proibido pelas regras da OMC.

A iniciativa da Casa Branca não representa a abertura de uma disputa legal, como no caso das queixas do Canadá contra o BNDES há seis anos, quando os programas de apoio à exportação foram obrigados a ser modificados. O debate ainda ocorre no âmbito do Comitê de Subsídios da OMC, mas deixa claro que o tema é uma das preocupações da política comercial dos Estados Unidos.

'Quando soubemos da lei, ficamos muito preocupados. Vimos mais tarde que se tratava de um sistema de tributação que levantava questões muito complicadas', afirmou um dos integrantes da representação comercial dos Estados Unidos (USTR, que tem status de ministério). Segundo ele, antes de levar o caso à OMC, o governo americano fez consultas bilaterais com o Brasil nos últimos meses para discutir o assunto.

Agora, os americanos enviaram um questionário por escrito ao Brasil, que foi respondido. Ontem, durante a reunião do Comitê de Subsídios da OMC, os Estados Unidos teriam o direito de apresentar novas questões. Mas optaram por analisar ainda as respostas do governo brasileiro.

Representantes do governo brasileiro tentaram minimizar o questionamento. 'Isso é só para marcar presença. Todos os países têm programas de incentivos', afirmou o embaixador do Brasil na OMC, Clodoaldo Hugueney. Além do Itamaraty, o BNDES e a Receita Federal enviaram representantes à reunião. Entre os membros da equipe brasileira, a tensão antes da reunião era tão grande que o mero fato de os Estados Unidos declararem que não tinham mais perguntas além das enviadas por escrito foi motivo de comemoração e alívio para a delegação brasileira.

Na mesma reunião, o governo dos Estados Unidos fez duras críticas contra a falta de informação prestada pela China sobre subsídios a seus setores produtivos. Para a delegação brasileira, a diferença de tratamento teria mostrado que as respostas do País às questões americanas foram bem recebidas em Washington.

Mas a delegação americana deixou claro à imprensa brasileira que o fato de não ter seguido com o questionamento ontem não quer dizer ainda que estão satisfeitos com as respostas. 'Vamos continuar analisando a lei ('MP do Bem')', afirmou o responsável pelo setor de subsídios do USTR. 'Não queríamos expor nossos colegas do Brasil com mais perguntas (na reunião da OMC) sem antes consultá-los bilateralmente.'

Criada em junho do ano passado, a medida provisória estabelece vários incentivos para o setor industrial e tenta promover investimentos, além de reduzir a carga tributária no setor produtivo. Na época, foram levantadas dúvidas sobre eventuais violações às regras da OMC, que há décadas proíbem subsídios ao setor industrial.

Entre as principais preocupações americanas em relação à MP do Bem está o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (Recap), que suspende a cobrança de PIS e Cofins nas vendas e importação de novas máquinas e equipamentos para as empresas com mais de 80% de lucros vindos de exportações. 'Na medida em que benefícios dados pela MP são condicionados às exportações, esse programa poderia constituir um subsídio proibido', afirma o documento americano enviado ao governo brasileiro.

Outra pergunta se refere ao Regime Especial de Tributação para Plataformas de Exportação de Serviços de Tecnologia (Repes), que isenta empresas do setor de software e de tecnologia da informação de taxas como PIS e Cofins na compra de bens e serviços. Segundo os americanos, essas empresas precisam ser exportadoras para ter esse benefício.

Nas respostas oferecidas pelo Brasil, esses dois programas apenas reduzem a burocracia para que empresas recuperem seus impostos. Esses recursos seriam coletados de todas as formas pelas empresas, mas por outros mecanismos mais demorados. Por isso, o governo acredita que não se trata de um novo subsídio.

A Casa Branca não poupou nem mesmo o ICMS. Washington questionou por que o Estado do Rio de Janeiro cobra uma taxa de apenas 2% para fabricantes locais e 19% para os demais. A resposta do governo é de que o imposto vale também para produtos importados.

AS BONDADES DA MP

O QUE É:

Pacote de benefícios para novos investimentos produtivos formulado pela área econômica do governo como meio de amenizar as críticas do setor privado contra a carga tributária e a elevada taxa de juros.

Foi editado pelo governo na forma de medida provisória em junho de 2005. Aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornou-se, em novembro, a Lei 11.196.

PRINCIPAIS BENEFÍCIOS:

PIS/Cofins - Isenção na compra de máquinas e equipamentos para novas empresas, contanto que essas indústrias destinem ao mercado exterior 80% da produção de seus três primeiros anos de funcionamento. Para o setor de software, esse período será de cinco anos.

CSLL - Prorrogação até o final do ano da redução da Contribuição Social sobre Lucro Líquido para as empresas tributadas com base no lucro real, por conta do desgaste de máquinas e equipamentos.

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - Antecipação da redução para zero da alíquota do IPI na compra de máquinas e equipamentos, antes prevista para o final de 2006.

Pequenas e Microempresas - Redução das bases de cálculo do Imposto de Renda e do PIS/Cofins para empresas instaladas em áreas carentes das Regiões Norte e do Nordeste.