Título: Chilena cria fórmula de avaliação de jornais
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2006, Vida&, p. A18

Com seus colegas da Pontifícia Universidade Católica do Chile, a professora de jornalismo Silvia Pellegrini desenvolveu uma fórmula matemática que se propõe a avaliar a qualidade dos jornais. Analisam-se 54 características de cada reportagem e da publicação como um todo - incluindo a quantidade e a qualidade das fontes ouvidas, o tamanho de cada texto e o ponto de vista usado para narrar os fatos. Feitas as contas, chega-se a um índice chamado VAP (sigla em espanhol de valor agregado jornalístico). Quanto mais alto esse número, mais interessante, fiel aos fatos e independente é o jornal.

¿Já encontramos um jornal em que, na editoria de política, a totalidade das fontes ouvidas era de 12 pessoas¿, conta a professora chilena, que esteve em São Paulo na semana passada. ¿Isso é um perigo. O jornalismo acaba se transformando na amplificação da opinião de um grupo muito pequeno.¿

Para Silvia, as avaliações são importantes, principalmente se são externas. ¿Quando se está envolvido com o trabalho do dia-a-dia, dificilmente se notam os vícios¿, afirma ela. ¿Mesmo quando se pára para analisar, é complicado apontar os próprios erros. É como quem se olha no espelho: sempre evita encarar os defeitos.¿

Jornais influentes da América Latina têm tido a preocupação de avaliar seus VAPs, como os argentinos La Nación e Clarín e o peruano El Comercio.

¿O que fazemos não é mostrar se o jornalismo praticado é ou não o correto. Apenas fazemos uma radiografia da realidade. Dizemos: `Esse é o jornalismo que vocês fazem. É o que vocês querem?¿.¿

Silvia Pellegrini tem 59 anos, dos quais 30 lecionando na Pontifícia Universidade Católica do Chile. Também conhece na prática o jornalismo. Foi repórter e editora dos jornais La Segunda e Las Últimas Notícias e das emissoras Televisión Nacional e Canal 13.

Ela esteve em São Paulo para realizar uma palestra no lançamento do DVD duplo Jornalismo Sitiado, que traz debates entre especialistas a respeito dos novos rumos do jornalismo. As discussões do DVD foram promovidas pelo Espaço Cultural CPFL e transmitidas no ano passado pela TV Cultura.

Os jornais se interessam por esse tipo de avaliação? A mídia, que é muito competitiva, tem-se dado conta de que precisa de meios objetivos de avaliar seu trabalho. O que se faz nas redações é avaliar pelo número ou pelo tamanho das reportagens. Mas isso de forma nenhuma significa qualidade. Um texto de página inteira não é necessariamente bom.

Os próprios jornais não são capazes de fazer a avaliação? Já encontramos um jornal em que, na editoria de política, a totalidade das fontes eram 12 pessoas. O jornalista recorre, por exemplo, às pessoas que respondem com maior rapidez. Ele pode não se dar conta por estar envolvido com o dia-a-dia. Mesmo quando o jornal pára para se analisar, é complicado apontar os próprios erros. É como quem se olha no espelho: sempre evita encarar os defeitos.

A avaliação do VAP leva a mudanças nos jornais? É comum haver mudanças: gente que tem o trabalho reconhecido e é promovida, gente cujo mau trabalho é descoberto. Mas nem sempre um VAP baixo significa que o jornalista é ruim. Às vezes o jornal se dá conta de que uma editoria não vai bem porque tem poucos repórteres. Nesses casos, se querem melhorar, os jornais passam a investir nas áreas esquecidas.

Há diferença para o leitor? Claro. Os jornalistas olham a realidade e a convertem na mensagem que será lida pela sociedade. O jornalista precisa processar a informação, mas, se ela é editorializada, a sociedade tem uma visão distorcida dos fatos. Quando ouve poucas fontes, por exemplo, é um perigo, porque o jornalismo acaba se transformando na amplificação da opinião de um grupo pequeno. Isso é uma tremenda injustiça, porque as pessoas começam a opinar, a sentir e a votar a partir do que parece acontecer, e não do que acontece. Para que haja liberdade, é importante que as pessoas tenham acesso a informação de qualidade.

O VAP indica o jornalismo ideal? Não. Apenas faz uma radiografia da realidade. Dizemos: `Esse é o jornalismo que vocês fazem. É o que vocês querem?¿. A mudança fica a cargo do jornal. Não fazemos nenhum tipo de interferência. Até mesmo porque os objetivos variam. Uma revista de espetáculos não tem os objetivos de um jornal de economia.

O VAP ajuda os repórteres? O VAP tem o objetivo também de devolver a auto-estima do jornalista, que anda maltratada. Hoje em dia, qualquer um pode ser jornalista, basta ter um celular e um computador. O jornalista fica com a sensação de que faz o mesmo que todos, com a diferença que lhe pagam para isso - e muitas vezes mal. Com uma avaliação objetiva, ele toma consciência de que só ele pode gerar uma boa pauta - decidir qual será o tema de discussão da sociedade - e só ele pode ligar determinado fato a suas causas e conseqüências. Isso o público não pode fazer.