Título: Um candidato solitário em campanha errática
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2006, Especial, p. H8

Com imensa desvantagem em todas as pesquisas de opinião, os últimos dias da campanha de Geraldo Alckmin foram tristes e dramáticos. A falta de votos aparecia até em locais inesperados, como o Palácio dos Bandeirantes, fortaleza onde o candidato do PSDB despachava até março, quando se afastou para disputar a Presidência. Já em julho, numa visita para assinatura de um convênio, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva foi aplaudido de pé por centenas de funcionários da administração do governo tucano.

Na semana passada, uma funcionária do gabinete do governador Cláudio Lembo, vice de Alckmin, se confessava eleitora de Lula. Outro voto era de uma empregada da ala residencial, que veio do Piauí, onde seus pais recebem o Bolsa-Família. 'Voto garantido, aqui, Geraldo terá o meu', dizia durante a semana Lembo, leal e solidário quando preciso - nas horas difíceis. 'A mentira pode produzir viradas, e o governo federal mente demais', avaliava Lembo, lembrando a virada da última eleição espanhola, 72 horas antes do pleito. 'Por que não pode acontecer aqui?'

A cadeira de Lembo, que será ocupada por José Serra a partir de janeiro, ajuda a explicar grande parte dos infortúnios da campanha tucana. Convencido de que a corrida pelo Planalto era um risco, e o Palácio dos Bandeirantes, uma certeza, o PSDB fez a opção estratégica de deixar a eleição paulista para Serra e escalou Alckmin para a parada mais difícil. Assim, os tucanos trocaram Serra, candidato a presidente que tinha 39% das intenções de voto em março, por Alckmin, que chegava a 17%.

Não se saberá se a presença de Serra teria mudado o resultado da eleição presidencial, onde os índices de aprovação do governo Lula funcionam como a principal alavanca para suas intenções de voto. A maioria dos estudiosos acredita hoje que dificilmente Lula seria derrotado este ano, contra qualquer adversário. O próprio Serra não estimula essa discussão e se confessa feliz pelo agradecimento público de Alckmin por seu empenho para ajudá-lo no segundo turno.

O grande argumento dos partidários de Alckmin era que se tratava de um candidato desconhecido fora de São Paulo, que, por conta disso, teria um grande potencial de crescimento junto ao eleitorado. A campanha mostrou que, embora verdadeira, essa constatação representava uma desvantagem para o candidato, que jamais conseguiu encarnar um projeto de País melhor que o de Lula - necessidade básica apontada por pesquisas qualitativas.

LANCES DELICADOS

As negociações que conduziram a troca de Serra por Alckmin envolvem diversos lances delicados. Um primeiro encontro ocorreu no Rio de Janeiro, na casa do deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), para examinar as estrelas do céu da sucessão presidencial. Alckmin já anunciara a disposição de concorrer à Presidência e conseguira o apoio de um grupo importante de empresários, mas Serra era o candidato natural.

Após uma exposição do sociólogo Antônio Lavareda, que realizara pesquisas avaliando as chances de cada nome e preferiu manter-se neutro nas discussões, os presentes decidiram se manifestar. Serra recebeu três votos: do próprio anfitrião, de Fernando Henrique Cardoso e do senador Arthur Virgílio (AM). Alckmin ficou com dois: o de Tasso Jereissati e o do governador Aécio Neves.

Dentro do PSDB, a opção Serra seguiu pelos meses seguintes e ganhou novo desenho depois que a aprovação do governo Lula subiu, numa escalada positiva que, com pequenos intervalos, seguiria até hoje. Num domingo à noite, Serra foi à casa de Fernando Henrique para conversar. Enquanto a avaliação de Lula subia, Serra tinha em mãos pesquisas em que era favorito absoluto para o governo de São Paulo. Perguntou a opinião do ex-presidente sobre o que deveria fazer.

'Eu disse que, como chefe político, achava que o mais importante era garantir o governo de São Paulo', conta Fernando Henrique, conforme relato de um interlocutor. 'Lembrei que ele iria sair da prefeitura e, se perdesse para o Lula, poderíamos ficar sem nada, apenas com Aécio Neves em Minas', teria ponderado o ex-presidente. E seguiu: 'Como amigo, acho que você tem o direito de disputar a Presidência. É a sua vez. Será uma campanha difícil. Mas você tem chance.'

Serra chegou a encomendar novas pesquisas, que não trouxeram novidades. Lula seguia cada vez mais forte e o Palácio dos Bandeirantes parecia cada vez mais fácil. Alckmin confirmava a disposição de ser candidato - e só renunciaria à idéia se o Diretório Nacional escolhesse Serra. Ao contrário do que sugeriam os aliados de Alckmin, embora empolgasse a maior parte da bancada de deputados federais, sua candidatura não seria aprovada pelo diretório, em caso de confronto.

Eleito no tempo de Fernando Henrique, o diretório votaria com ele, um aliado que preferia Serra na disputa estadual - mas que lhe daria respaldo em qualquer caso. Serra ficou convencido de que iria ocorrer uma reprise radicalizada da campanha de 2002, quando foi abandonado em diversos Estados tucanos, como o Ceará de Tasso - dessa vez, corria o risco até de concorrer sem um candidato forte para garantir apoio em São Paulo. Confortado pelas pesquisas paulistas, desistiu. Quando soube, Alckmin festejou. Fernando Henrique, não. Em conversas reservadas o ex-presidente jamais escondeu a avaliação de que Alckmin tinha pouca chance de vencer Lula.

A votação consagradora de Serra em 1º de outubro mostra que Alckmin foi um governador aprovado pela população, mas a campanha do candidato à Presidência pelo PSDB foi desarrumada e provinciana. Um dos principais padrinhos de Alckmin, o próprio Tasso, afastou-se da campanha e confessou a interlocutores que não conseguia entender a personalidade do candidato.

Menos de 24 horas depois de apontar o fazendeiro João Carlos Meirelles como principal assessor político, Alckmin tentou devolvê-lo para a Secretaria de Ciência e Tecnologia no governo de Cláudio Lembo, de onde o auxiliar acabara de sair, tamanho o desconforto que a nomeação produziu no comando da campanha. Mas a operação retorno não deu certo e Meirelles seguiu ao lado de Alckmin, portando-se como conselheiro de primeira linha.

Solitário e desconfiado, em sete meses o candidato não conseguiu montar uma equipe de campanha, capaz de tomar decisões e definir estratégias. A coordenação tinha um problema geográfico - a sede era em Brasília, mas o candidato tomava decisões em São Paulo - que refletia uma visão de natureza política. 'Alckmin não desenvolve relações de confiança e prefere decidir tudo, confiando em sua sorte e em sua intuição', explica um secretário de seu governo. Essa opção lhe garantiu fazer uma campanha à sua imagem e semelhança.

ISOLADO DA MÁQUINA

Comparado com os tucanos do tronco clássico, que sempre tiveram um pé na academia, ele fez uma caravana mais popular, ao menos no estilo e na vocação. Mas essa postura autocentrada impediu uma ação conjunta e organizada, quando era preciso enfrentar o estado-maior petista, em especial no segundo turno. Isolado de uma máquina que poderia ajudá-lo, Alckmin demorou para reagir diante dos ataques que levaram a candidatura de Lula a altura nunca vista depois dos ataques às privatizações.

Desarticulados e desmobilizados, os eleitores tucanos ficaram sem resposta quando a campanha petista transformou Lula em vítima de um adversário maligno e desrespeitoso após o primeiro debate do segundo turno. Alckmin fez movimentos desconexos, como vestir-se de piloto de Fórmula-1 com distintivos de estatais. Por conta própria, aceitou a oferta de apoio de Anthony Garotinho, que gerou uma foto que interrompeu uma suave onda de simpatia que alcançava sua candidatura na passagem para o segundo turno.

Na corrida pelo governo de um país complexo e desigual, onde não existe solução fácil para problema algum, Alckmin foi para a guerra com uma única munição - a auto-ajuda eleitoral do marqueteiro Luiz González, que, boa ou má, jamais poderia dar conta sozinha de uma eleição tão difícil. Numa área delicadíssima como economia, Alckmin não chegou a definições básicas - uma questão essencial para todo candidato a presidente, como o próprio Lula aprendeu em 2002, ao assinar a Carta aos Brasileiros.

O candidato tucano namorou o desenvolvimentismo de Luiz Carlos Mendonça de Barros e também ameaçou ir para o altar com Samuel Pessoa, economista de linha liberal apadrinhado por Tasso. Nomeou ainda dois economistas próximos a José Serra para elaborar o programa de governo - que não ficou pronto, afinal - e na reta final desautorizou seu último homem forte, Yoshiaki Nakano, ao constatar que uma palestra acadêmica seria explorada pelo adversário no horário político. Em vários momentos, Alckmin ainda se aconselhou com José Roberto Mendonça de Barros, também economista, irmão de Luiz Carlos.

Se a intenção era somar na diversidade, o saldo foi multiplicar desconfianças e constrangimentos. Para um cacique tucano com longo convívio com Alckmin, esse rodízio de escolas de pensamento revelou falta de convicção. 'Vamos falar a verdade: Alckmin demorou para responder aos ataques de Lula às privatizações porque nunca teve certeza de que a venda das estatais foi uma medida correta para o País.'

Candidato de um partido ao qual não faltam cérebros de boa formação e conhecimento sobre a maioria dos problemas brasileiros, Alckmin manteve-se à distância deles. Quando se preparava para os debates, pedia sugestões - que preferia receber por e-mail, evitando reuniões e conversas pessoais, em que pudesse colocar dúvidas, fazer perguntas e afiar os próprios argumentos.

O resultado é que muitas vezes falava de assuntos corretos, fazia observações adequadas - mas tinha uma postura artificial, de quem decorou uma teoria, mas não conseguiu entendê-la em profundidade. 'Ele acabava recitando o que deveria dizer, sem ênfase nem contundência', diz um empresário que enviou diversas contribuições durante a campanha.