Título: Lula prepara acerto de contas com o partido
Autor: Vera Rosa e Vanice Cioccari
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2006, Especial, p. H9

Foram muitas as crises ao longo do governo e colisões durante a campanha. Mesmo assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá ser reeleito hoje, apesar do PT. Feita com freqüência nos últimos dias, em gabinetes de ministros, a ressalva indica que Lula e o PT ainda não resolveram seus problemas e terão de fazer um acerto de contas em 2007.

Destroçado por uma crise atrás da outra, o partido deverá antecipar a mudança de sua direção para o ano que vem. Lula já disse que o PT precisa de uma cúpula mais nacional e menos paulista. Desde que o presidente assumiu, em 2003, todos os escândalos foram protagonizados por dirigentes de São Paulo.

Muito antes dessa mudança, porém, partido e governo viverão novas situações de estresse. Para acomodar aliados, Lula terá de desalojar petistas da Esplanada. Atualmente, o PT ocupa 15 das 33 pastas.

'Com o presidente reeleito, deve haver uma nítida e clara separação de quadros políticos que exercem função de Estado e cargos partidários', diz o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. 'Se essa separação não ocorrer, é difícil que o partido tenha autonomia para influir sobre o governo de maneira adequada.'

Nada, porém, é tão fácil na relação entre o criador, Lula, e a criatura, PT. Até hoje o presidente culpa companheiros de partido por terem arriscado sua eleição na negociata envolvendo a compra do dossiê Vedoin, um conjunto de fotos com DVD que ligaria o tucano José Serra, hoje governador eleito de São Paulo, e o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, à máfia dos sanguessugas.

Existem, no entanto, divergências internas sobre a melhor maneira de o partido curar suas feridas. Muitos defendem comissão de ética para todos os que se envolveram em escândalos: do mensalão ao dossiê Vedoin. Mas a maior fatia da cúpula petista avalia que, no segundo mandato de Lula, o partido deve seguir em frente, sem olhar para o retrovisor.

'Vamos nos recompor olhando para o futuro, não para trás', afirma Francisco Campos, secretário-adjunto de Comunicação do PT. 'Se formos misturar ranço com ressentimento, não vai dar certo.'

As inúmeras crises que se desenrolaram desde junho de 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, atingiram em cheio o PT justamente naquilo que o partido apresentava como sagrado: a bandeira da ética. Desde a posse de Lula, em janeiro, o PT já teve quatro presidentes: há 23 dias, quem comanda o partido interinamente é Marco Aurélio Garcia, que teve de deixar a assessoria de Lula para socorrer a legenda.

O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), eleito em outubro do ano passado para presidir o partido até 2008, foi obrigado a se afastar porque teve seu nome envolvido no escândalo do dossiê Vedoin.

Antes de Berzoini foram presidente o próprio Tarso e José Genoino

caráter José Genoino, o próprio Tarson. O pri

Depois da troca emergencial no comando do partido por causa da crise do dossiê Vedoin, agora o partido terá buscar solução definitiva e reorganizar a direção do partido. 'Nessa confusão toda com crise do caixa 2 e do dossiê, o PT é o partido que mais perdeu, mas também ganhou', avalia o governador do Acre, Jorge Viana. 'Ficou bastante ferido, mas não de morte'. Ele defende que o partido aproveite a vitória de Lula para 'reencontrar-se com sua própria história' e passar por um processo de depuração. Viana acredita que não seja necessária uma 'refundação', como propôs o ministro Tarso Genro ao assumir o comando partido em meio à crise do mensalão em 2005, mas sim uma 'repactuação'.

Na mesma linha do 'segundo turno foi uma benção', como discursou o presidente Lula em seu último comício em São Paulo, o governador do Acre diz que o segundo turno foi 'uma mão na roda' para dar início à reaproximação do partido com suas origens. 'Se (Lula) ganhasse no primeiro turno apertado, seria ruim. O segundo turno já começou o nosso reencontro com as teses, com as pessoas à esquerda', afirma Viana. Mas prevê um processo longo de depuração e repactuação do PT. 'Não tem mágica. Será um processo de um ano pelo menos'. O problema imediato é resolver a questão da presidência da legenda, assumida interinamente por Marco Aurélio Garcia. Ele acumulou o cargo com a coordenação da campanha à reeleição desde o dia 6 de outubro, quando o deputado Ricardo Berzoini , arrastado pela crise do dossiê, se viu obrigado a licenciar-se do cargo. Apeado do comando partidário com aval do próprio presidente Lula, Berzoini não deve voltar mais. Líderes petistas de outros estados debitam a crise do dossiê na conta no núcleo paulista do PT e cobram a redistribuição do poder partidário. 'Agora precisa outro PT, com mais cara de Brasil, com a cara do Nordeste, do Norte, do Centro-Oeste', defende Viana. Ele próprio é apontado como um nome forte para presidir o partido. Mas desconversa: 'Não tenho esse perfil, tô fora dessa. Sou só um ajudador (sic)'.

MINISTERIÁVEL

Com a experiência de dois mandatos consecutivos no governo do Acre e outro como prefeito de Rio Branco, Viana também é cotado para assumir um ministério no segundo governo Lula. Ainda que no primeiro turno Lula tenha perdido para Alckmin no estado, Viana fez do petista Binho Marques seu sucessor e diz não estar preocupado com cargos, nem na direção do PT nem no Ministério. 'Acho que temos de ficar quietinhos e a hora é de ajudar o presidente Lula, que tem de ter a tranqüilidade necessária (para montar a equipe de governo)', prega. 'As disputas já são tão grandes para montar um governo que tenha estatura dos desafios do segundo mandato'. Para Viana, no segundo mandato o governo ter 'melhor arranjo político' e relação com o Congresso. 'O governo tem de estar mais aberto à participação de partidos, como o PMDB, mas com fidelidade'. O governador do Acre também defende uma inversão da máxima do futebol de que em time que está ganhando não se mexe. 'Em política é o contrário. Para continuar ganhando, tem que mexer'.

Ainda que os próprios petistas contassem em liquidar a disputa em primeiro de outubro, Viana acha que a vitória de Lula no segundo turno impôs uma derrota ainda maior à oposição. E cita nominalmente os presidentes do PFL, Jorge Bornhausen; do PPS, Roberto Freire, e do PSDB, Tasso Jereissati. 'Eles três são responsáveis pelo fracasso de Alckmin e pelo sucesso de Lula ao optar por uma ação preconceituosa', afirma. 'Eles forçaram e até trapacearam para haver segundo turno'. O resultado da eleição presidencial, opina Viana, abre uma crise na oposição porque a derrota foi eleitoral e política.

Para ele, o segundo turno assegura a Lula melhores condições de go vernabilidade do que se tivesse uma vitória apertada no primeiro turno, em meio as denúncias sobre o dossiê potencializadas pelo PSDB e PFL na campanha. 'Nada para garantir a governabilidade como esse segundo turno', ressalta.