Título: Tiros elevam tensão entre Coréias
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2006, Internacional, p. A18
Os soldados sul-coreanos que vigiam a fronteira com a Coréia do Norte fizeram mais de 60 disparos de advertência, ontem, para forçar o recuo de um pequeno grupo de soldados norte-coreanos que entraram no território controlado pela Coréia do Sul. O incidente fez crescer a tensão na região, horas depois de o Conselho de Segurança da ONU ter condenado por unanimidade a declarada intenção da Coréia do Norte de realizar um inédito teste nuclear.
Pyongyang fez o anúncio na terça-feira, alegando que precisa reforçar seu sistema de defesa diante das 'ameaças de guerra nuclear, pressões e sanções' dos EUA. Não disse quando pretende fazê-lo, mas estima-se que pode acontecer entre hoje e amanhã. A ONU advertiu que o teste 'prejudicaria seriamente a paz, a estabilidade e a segurança na região e além dela'.
Em nota sobre o incidente de fronteira, as Forças Armadas sul-coreanas informaram que seus soldados 'fizeram disparos de advertência contra cinco soldados norte-coreanos que ultrapassaram a linha militar demarcada entre os dois territórios, depois de ignorar uma série de alertas feitos por alto-falantes'. Os norte-coreanos não reagiram aos disparos, e não há registro de feridos.
Segundo a nota, os norte-coreanos avançaram 30 metros além do limite da zona desmilitarizada (DMZ, em inglês) que divide os dois países desde o fim da Guerra da Coréia (1950-1953). O conflito terminou com um armistício, sem um tratado formal de paz, e a DMZ é considerada 'a última fronteira' da Guerra Fria.
Em declaração à agência de notícias Yonhap, um militar sul-coreano criticou a Coréia do Norte, afirmando que o país 'parece decidido a elevar a tensão criada pelo anúncio de que pretende fazer um teste nuclear'. Em maio, em incidente semelhante, dois soldados norte-coreanos cruzaram a fronteira e também foram rechaçados por disparos de advertência.
As Forças Armadas da Coréia do Norte concentram a maior parte de seu efetivo de 1,2 milhão de soldados nas proximidades da DMZ, uma faixa de quatro quilômetros. A Coréia do Sul também concentra ali a maior parte de seus 700 mil soldados e tem o apoio de mais de 30 mil militares americanos.
Os serviços de inteligência dos EUA e de outros países acreditam que há anos os norte-coreanos produzem o combustível necessário para fazer uma bomba nuclear. O que não se sabe é se dominam a tecnologia necessária para produzir um artefato e montá-lo num míssil.
Autoridades americanas acreditam que o teste pode ser realizado hoje, data do aniversário da nomeação do líder norte-coreano, Kim Jong-il, como secretário-geral do Partido dos Trabalhadores da Coréia do Norte e chefe da comissão de defesa do país, em 1997.
Pyongyang costuma fazer coincidir declarações e atos agressivos com grandes datas nacionais. Por isso, os EUA também não descartam que o teste ocorra amanhã, Dia dos Trabalhadores na Coréia do Norte. A data é também feriado nos EUA, que celebram o Dia de Cristóvão Colombo.
Segundo um analista chinês, citado pelo jornal britânico The Times, o teste seria realizado numa mina de carvão abandonada no norte do país, a cerca de 2.000 metros de profundidade, perto da fronteira com a China.
A crise desencadeada pela ameaça norte-coreana deve dominar as conversações que o novo premiê japonês, Shinzo Abe, manterá em Pequim, para onde viaja hoje, e em Seul, onde chegará amanhã. A China e a Coréia do Sul são os principais fornecedores de ajuda à Coréia do Norte, país extremamente pobre e uma das ditaduras mais fechadas do mundo.
Na sexta-feira, além de condenar a intenção norte-coreana de fazer o teste nuclear, o Conselho de Segurança da ONU declarou que o país deve retomar imediatamente as negociações para pôr fim a seu programa nuclear. Em 2005, Pyongyang saiu das negociações e foi alvo de um embargo econômico americano. Em julho, o país fez testes com mísseis, rompendo uma moratória auto-imposta em 1999. A comunidade protestou e mais sanções contra o país foram aprovadas nas Nações Unidas. A Coréia do Norte exige, para retomar as negociações, o fim das sanções impostas pelos EUA.