Título: Cervejarias retomam briga pelo Brasil
Autor: Marili Ribeiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2006, Economia, p. B14

Depois de uma década de consumo praticamente estagnado em 8 bilhões de litros ao ano, o mercado cervejeiro no Brasil mostra fortes sinais de recuperação e promete voltar ao pico de consumo atingido em 1995, quando bateu 50 litros per capita por ano. A perspectiva do setor é fechar o ano com 9,5 bilhões de litros. Esse pequeno movimento interno já mexe com o xadrez mundial das grandes companhias globais em disputa pelos dividendos proporcionados pelos bons bebedores da loira gelada.

Ávidas por manter em alta o interesse dos investidores internacionais em seus papéis nos mercados de capitais, a belgo-brasileira InBev, a anglo-sulafricana SAB/Miller e a americana Anheuser-Bush não relaxam posições. O reflexo no mercado nacional fica evidente na disposição da AmBev, empresa do grupo InBev, em atacar a mexicana Femsa, que demonstra gás para recuperar a combalida Kaiser.

Na semana passada, a AmBev entrou com uma ação na Justiça para tirar do ar a propaganda do teste às cegas proposto pela Kaiser. No fundo, o que incomodou foi a mensagem subliminar de que cerveja é apenas uma commodity. E, se é tudo igual, o que vale é preço. A estratégia da Femsa, para a concorrência, é jogar a Kaiser numa faixa de preço baixo para conquistar participação de mercado e partir para o lançamento de outra marca voltada ao mercado de cervejas especiais. Mercado este que, no Brasil, não passa de 6% do total. No mundo, é um segmento em franca expansão. Domina na Inglaterra, com 45% do consumo de cervejas. Nos EUA, responde por 25% e, na vizinha Argentina, fica com 15% dos consumidores.

Paulo Macedo, diretor de Relações Externas do Mercosul da Femsa, admite que a empresa vai mesmo lançar uma nova cerveja. Insiste em que ela é 'nova', dando a entender que não seria, como especula a mídia, a Sol, carro-chefe da empresa e já vendida no País em embalagem long neck. 'Nossa preocupação é com rentabilidade', diz. Por ora, não revela o nicho que pretende atacar.

Para quem tem 68,4% de participação de mercado, como é o caso da AmBev, poderia parecer um excesso declarar guerra contra um adversário que tem míseros 7,8%. Carlos Lisboa, diretor de marketing da AmBev, discorda. 'Estamos sempre em busca de particpação e lucratividade', diz. 'O Brasil é o quarto maior mercado de cerveja mundial e tem capacidade de expansão. Embora estivesse estagnado, ainda não é maduro e tem enorme capacidade de crescer em nichos como o das cervejas premium.'

A Femsa, que no jogo global ainda aparece tímida, tem bala na agulha, afinal já é a maior distribuidora de Coca-Cola mundialmente. Na categoria cerveja, divide o polpudo mercado mexicano com a Modelo, dona da marca Corona, e disputa, também com ela, os 10% de participação das cervejas importadas no maior mercado mundial de cerveja, o americano, dominado pela Budweiser, da Anheuser-Bush.

No cenário latino-americano, a Femsa vem se posicionado agressivamente. É a mais forte candidata a ficar com o patrimônio da argentina Quilmes, à venda pela InBev por determinação do Cade portenho, que não tolera monopólio. Mas, mais do que se posicionar melhor entre latinos, a Femsa acha que tem condições de brigar no mercado brasileiro com a AmBev. Detém a privilegiada logística de distribuição da Coca-Cola, com mais de 1 milhão de pontos-de-venda no País. Basta reforçar o caminhão com o seu portifólio de cervejas. E isso começa a incomodar a gigante AmBev.

No tabuleiro nacional, os outros jogadores com participação na disputa não representam ameaças efetivas no momento. A Cervejaria Petrópolis, apesar do forte crescimento em três anos , não tem capacidade de distribuição e está focada em vendas nos supermercados, o que representa baixa rentabilidade. A Schincariol, de seu lado, anda às voltas com um passivo fiscal que já foi estimado em R$ 2 bilhões. Valor que dificultaria até a determinação de seu preço frente à forte especulação sobre sua venda. A McKinsey nega envolvimento no processo, mas fonte do mercado confirma que a consultoria levantou muitas informações sobre a ceverjaria da família Schincariol, que silencia sobre o tema.

Do esquadrão da elite global cervejeira, a SAB-Miller seria uma forte candidata à compra. Fez bonito no emergente mercado latino ao comprar a colombiana Bavaria. Empresa que, como dizem os que monitoram o setor, se tratava da última das jóias da coroa na região, por ser bem-estruturada e deter um bom mercado. 'Mas não se espante se a própria Anheuser-Bush estiver interessada na Schin, afinal, eles têm de mostrar aos investidores que não estão deitados em berço esplêndido', diz um consultor que prefere não ser identificado. A maior cervejaria americana, embora seja a terceira no ranking mundial em volume de vendas, é a primeira em termos de rentabilidade, seguida pela InBev e depois pela SAB-Miller.

O Brasil representa agora uma peça do xadrez mundial das cervejarias, seja pelo potencial de mercado, seja pela perspectiva de crescimento econômico. Tudo sugere renda ascendente, que se reverte em expansão de consumo de cerveja. O jogo foi reiniciado.