Título: Governo fala em distensão, oposição prevê clima tenso
Autor: Ana Paula Scinocca, Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2006, Nacional, p. A10

Governo e oposição não se entendem nem sobre o clima que deve predominar após a votação de domingo. Enquanto os emissários do presidente-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falaram em 'distensão', tucanos e pefelistas previram um 'cenário nervoso', sobretudo se for confirmada a reeleição de Lula e a derrota de Geraldo Alckmin (PSDB) nas urnas.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), acredita que haverá 'um cenário nervoso' após o segundo turno, caso se confirme a vitória de Lula. 'O presidente Lula é freguês de todos os tribunais do País, e as ações de seu governo estão sob o crivo da procuradoria. É uma complicação meio Nixon', disse, numa alusão ao escândalo Watergate, que derrubou o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Virgílio ironizou o pacto de governabilidade proposto por Lula. 'Para ter moral para falar desse assunto, o presidente deveria primeiro coibir a corrupção do governo dele. Ele prestaria um grande serviço à Nação', afirmou.

Tanto Virgílio quanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insistiram em que a eleição ainda não está definida. Ou seja: que Alckmin tem todas as credenciais para virar o jogo e vencer a corrida ao Palácio do Planalto no domingo.

Indagado por jornalistas sob a hipótese de o presidente ser reeleito - já que as pesquisas lhe dão hoje uma vantagem de cerca de 20 pontos -, Fernando Henrique seguiu linha semelhante à do líder tucano no Senado. Admitiu que, se for derrotado nas urnas, o PSDB 'será duro na cobrança daquilo que interessa ao povo brasileiro'. Para ele, governabilidade é aprovar projetos de interesses nacionais. 'Não faremos o que o PT fez comigo, que votou contra tudo só porque queria nos desmoralizar para chegar ao poder.'

O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) deu mostras de que com Lula reeleito a oposição não vai cair no 'conto' da governabilidade. 'Erramos quando atendemos ao apelo para um pacto de governabilidade. Foram inúteis todas as concessões que fizemos. Os erros foram repetidos pelo governo.'

Heráclito antecipou que a oposição deverá ser 'mais vigilante'. 'Não vamos mais acreditar em pacto de governabilidade nem em papai Noel.'

Preocupados com a governabilidade ministros do PT e a cúpula da campanha de Lula começaram a construir pontes na direção do PSDB. Nos últimos dias, interlocutores do presidente conversaram com os governadores eleitos de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, tucanos, na tentativa de apaziguar o 'day after' eleitoral e evitar que a disputa caminhe para o 'terceiro turno'.

O governador eleito da Bahia (PT), Jaques Wagner (PT), foi um dos que telefonaram para Serra e Aécio. Ele explicou que o objetivo das conversas travadas com os tucanos é 'baixar a temperatura' da briga . Dando como certa a vitória de Lula no domingo, Wagner, que reforça o time dos coordenadores da campanha à reeleição, afirmou que, quando acabar a partida, a vida real será 'outra coisa', porque 'o Brasil não é uma republiqueta de banana'.

'Não acredito nessa história de terceiro turno. Essa loucura não tem como durar. A oposição vai querer mais quatro anos de guerra fratricida? Os empresários vão topar um jogo desses? Claro que não', afirmou Wagner. 'A moçada quer estabilidade e todos sabem que o presidente não é desonesto.'

De acordo com seu relato, a receptividade de Serra e de Aécio tem sido 'muito boa'. 'Aécio já disse que, seja quem for o eleito, o que interessa é o desenvolvimento', insistiu o futuro governador da Bahia.

Em vários momentos, Wagner tentou substituir o discurso que acusa o 'golpismo' por elogios aos adversários. Nem sempre conseguiu. Chegou a dizer que o oposição faz o jogo do 'vale-tudo' por conta da 'derrota anunciada'. 'Mas não acho que estamos no tempo da Rua Toneleros.' Ele se referia ao episódio do atentado da Rua Toneleros, em agosto de 54, quando a situação política se agravou tanto que Carlos Lacerda - que acusava o então presidente Getúlio Vargas de 'gerente geral da corrupção' - foi alvejado diante de sua casa, em Copacabana.