Título: O aloprado de Alckmin
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2006, Notas e Informações, p. A3

O histórico do governo Lula dá razão ao comentário freqüentemente repetido de que não foram os adversários, mas a companheirada e ele próprio, os grandes responsáveis por todos os seus tropeços políticos e administrativos - sem falar do fracasso da operação de liquidar a fatura reeleitoral já no primeiro turno, pelo efeito combinado da ausência do candidato no debate da Rede Globo e da tentativa tabajara de aplicar um golpe baixo nos tucanos. Mas, agora, a situação ficou de ponta-cabeça, com o inesperado gol contra saído dos pés de um integrante da equipe de Geraldo Alckmin - que permite agregar ao léxico político brasileiro o conceito exótico de autoterrorismo eleitoral.

As circunstâncias não poderiam ser piores. De um lado, saíram os resultados da primeira pesquisa depois do confronto de domingo na Rede Bandeirantes - surpreendendo todos quantos supunham que o contundente desempenho do ex-governador o premiasse com mais votos nos setores do eleitorado em que foi especialmente bem-sucedido no 1º de outubro. De outro lado, o tucano teve de assumir uma posição defensiva, o que é sempre uma adversidade para qualquer candidato a poucas semanas das urnas, a fim de neutralizar os efeitos potenciais da campanha lulista destinada a levar o medo ao coração dos muitíssimos eleitores que de um modo ou de outro dependem do poder público para o seu ganha-pão.

Surdos, como seria de esperar, aos enfáticos desmentidos de Alckmin, o presidente em pessoa e os seus atiradores adeptos da teoria de Goebbels de que a repetição transforma mentiras em verdades aumentaram a estridência das mensagens alarmistas segundo as quais o tucano pretende nada menos do que desmanchar o Estado nacional, demitindo servidores, cortando programas sociais e benefícios aos idosos, além de privatizar a torto e a direito. Pois em meio a isso, eis que um dos principais conselheiros econômicos de Alckmin, o professor Yoshiaki Nakano, citado desde a primeira hora como ministeriável em um hipotético governo do PSDB, soltou para quem quisesse ouvir uma idéia fora de lugar que, por isso mesmo, fez o jogo do inimigo - e mais uma vez o candidato teve de dizer que não é nada disso.

Um dos autores do programa alckmista de governo, o ex-secretário da Fazenda de São Paulo, conhecido pelo micromanagement das despesas governamentais, disse num seminário que o País precisa mexer na política do câmbio flutuante para reverter a valorização do real. Ele entende que a depreciação do dólar em relação à moeda brasileira, um obstáculo à aceleração do crescimento econômico, é conseqüência da entrada de capitais especulativos atraídos pelos juros altos praticados pelo Banco Central. Daí a suposta necessidade de 'administrar' as taxas cambiais e impor controles temporários ao ingresso de divisas para aplicação em títulos. A concepção é amplamente contestada, como explicou ontem neste jornal o colunista Celso Ming, no artigo Meta errada.

Já para forçar a baixa dos juros, Nakano atribuiu a Alckmin a intenção de cortar os gastos do governo, no menor tempo possível, em cerca de R$ 60 bilhões, o equivalente a 3% do PIB. O fato de ele vincular corretamente o alto custo do dinheiro ao insuportável nível a que chegou o dispêndio federal na administração Lula não o eximiu de duras críticas, como a do colega Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e atual economista-chefe do ABN Amro para a América Latina, que aproveitou para desancar a menina-dos-olhos de Alckmin - a promessa de repetir no Planalto o choque de gestão adotado nos Bandeirantes na era Covas. 'O ajuste fiscal de São Paulo, como o do governo federal', aponta, 'foi realizado com base no aumento da arrecadação.'

Em suma, a até então ausente discussão sobre como enfrentar a disfuncionalidade estrutural das contas nacionais enfim entrou em cena - de forma arrevesada e no momento menos adequado. Pois, se o terrorismo eleitoral lulista tem por objetivo assustar os pobres, o autoterrorismo aloprado de Nakano inquietou os mercados. O setor pode não gostar de Lula - que certa vez afirmou não entender o porquê disso, sendo os lucros da banca o que são -, mas se tranqüiliza ao ouvi-lo dizer, a propósito da continuidade da política econômica, que 'todo mundo gosta de arroz, feijão e bife acebolado; o que se pode é pôr um pouco mais ou um pouco menos de cebola, mas o prato não muda'. E aí Nakano dá uma de camicase!