Título: Uma proposta perigosa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2006, Notas e Informações, p. A3
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, propôs um jogo de alto risco para o cidadão e para a empresa, ao defender um prazo de 10 a 15 anos para a redução da alíquota de um dos piores tributos brasileiros, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Segundo sua proposta, a alíquota passará do nível atual de 0,38% para 0,08% no final do período. Convertida em permanente, a contribuição pouco servirá para abastecer o Tesouro, mas o Fisco poderá usá-la como instrumento de controle. O argumento pode até parecer razoável, mas a idéia é perigosa.
Criada nos anos 90, a CPMF já foi prorrogada e quase certamente será de novo, antes do fim de 2007, quando terminará o atual prazo de vigência. Agora, como antes, o argumento é simples e irrefutável: o governo não poderia, de imediato, perder a receita proporcionada pelo tributo. Para 2007, a arrecadação foi estimada, segundo a proposta de Orçamento, em R$ 35,5 bilhões. A dependência não será eliminada em pouco tempo. Por isso, até os maiores críticos desse tributo deverão aceitar sua prorrogação, mais uma vez.
Dez anos, o menor prazo proposto pelo ministro, equivalem a dois e meio mandatos presidenciais. Quanto mais tempo a CPMF permanecer como fonte relevante de recursos, menos provável será o esforço do governante para eliminar a dependência. Sempre será possível, como tem sido até agora, encontrar um argumento de fato para prorrogar, mais uma vez, uma alíquota elevada. Os congressistas, incluída a oposição, serão de novo levados a aprovar a manutenção do imposto, porque não terão como resistir ao fato consumado, a impossibilidade imediata de cortar despesas.
Além disso, uma CPMF permanente, mesmo com um peso quase simbólico, sempre será uma arma perigosa. Criar um imposto é quase sempre politicamente difícil. Se o governo já dispõe de um tributo, é muito mais fácil obter do Congresso a elevação 'provisória' da alíquota. A tentação será especialmente grande no caso de um tributo de fácil arrecadação e de alcance tão amplo como a CPMF - daí ser ela um perigo, mesmo depois de convertida num instrumento de fiscalização. Só são confiáveis, no caso de certos males, soluções tão radicais quanto a bala de prata ou a estaca no coração.
A curto prazo, será muito difícil evitar a prorrogação da CPMF como tributo gerador de receita. Mas será preciso discutir o assunto com muito cuidado, fixando um prazo não muito longo para a redução da alíquota. Sua extinção no final desse período será a melhor decisão. Se prevalecer a idéia de sua manutenção como instrumento de controle, será necessário criar condições para evitar seu reaparecimento como tributo arrecadador.
Será indispensável articular esse debate com a fixação de um plano de redução da carga tributária. Esse plano só terá valor prático se for parte de um programa de controle das despesas públicas. Esta discussão mal começou. A proposta de um ajuste de longo prazo, válida para o caso da reeleição, não é confiável. Por enquanto, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva só se tem dedicado a defender a manutenção de gastos elevados, com a desculpa de não reduzir os programas sociais. Para uma discussão séria, será preciso apontar as despesas cortáveis, não as incomprimíveis.
O ministro também propõe ampliar de 20% para 30% a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Será necessário, no mínimo, prorrogar também a vigência desse dispositivo. A desvinculação é em princípio uma boa idéia - mas não deixa de ser um remendo. Um plano mais ambicioso eliminaria completamente as vinculações orçamentárias. A mera desvinculação, parcial ou total, apenas servirá para deslocar o problema, se for necessário financiar de outra forma despesas obrigatórias. Nesse caso, o aumento da carga tributária será inevitável - como tem sido, há anos, já que o governo tem fugido de um efetivo controle dos gastos públicos. Também este debate só será eficiente se for associado a um programa confiável de reestruturação e ajuste das contas do governo. Sem isso, qualquer concessão ao governo equivalerá a dar-lhe um cheque em branco.