Título: Obstrução eleitoral
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2006, Notas e Informações, p. A3
Muito já se criticou o Poder Legislativo brasileiro pelo hábito de trabalho (digamos assim) sem correspondência alguma com a massa de serviços e a jornada habitual dos trabalhadores, seja a que setores pertençam. A permanência dos parlamentares apenas dois dias da semana - no máximo três - nos recintos das Casas Legislativas federais, as freqüentes ausências de quórum, a que pretextos se tentem justificar - do sempre 'apoio às bases' aos feriados imprensados, dos recessos brancos que se antecipam ao recesso real à imperiosa necessidade de participação em campanhas eleitorais, para a própria sobrevivência política, etc. -, são características (digamos assim) crônicas contra as quais muito se tem repisado, há muito tempo, independentemente da ruindade das legislaturas (como a atual) e da fase melancólica de fim de mandato (como a atual), com metade dos parlamentares não reeleitos.
Isto posto, é de se notar que surgiu um novo tipo de absenteísmo parlamentar, independentemente dos fatores retromencionados: chamaríamos essa novidade de 'obstrução eleitoral'. O vice-presidente da Câmara dos Deputados, José Thomaz Nono (PFL-AL), denunciou terça-feira o fato de a bancada governista ausentar-se sistematicamente das sessões, não permitindo que haja quórum para qualquer deliberação, enquanto se acumulam as Medidas Provisórias e os projetos de lei importantes (para o próprio governo). E essa ausência nada tem que ver com feriados ou campanha nas bases (as eleições parlamentares já ocorreram em 1º de outubro), mas sim com o propósito de não dar oportunidade a que a oposição se utilize das tribunas do Congresso para repercutir cobranças contra o governo (notadamente quanto às 1,750 milhão de notas inexplicadas).
Na mesma terça-feira, o presidente da CPI dos Sanguessugas, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), foi muito criticado por seus pares da bancada oposicionista por estar promovendo um 'abafa', tendo em vista impedir que haja convocação de depoentes comprometedores (do governo) antes da eleição em segundo turno, no dia 29. Os oposicionistas consideraram muito 'estranho' o comportamento de Biscaia, que terminou rapidamente a reunião da CPI, na parte da manhã, evitando assim a votação de cerca de 200 requerimentos de convocação. Ao defender-se, Biscaia desmentiu que recebesse pressão do Planalto, para tais delongas, e alegou que 'a CPI não pode se transformar em um palco de disputa político-eleitoral'. Observação certa. Mas ao dizer, também, que seria melhor os requerimentos serem votados 'apenas depois do segundo turno das eleições, no dia 29 de outubro', o presidente da CPI dos Sanguessugas não estará, claramente, tomando seu lugar (pelo menos de coadjuvante) nesse palco de disputa político-eleitoral, imitando, nisso, o ministro da Justiça Thomaz Bastos no caso das investigações da PF sobre o dossiêgate?
Como essa CPI já foi instalada e funciona há algum tempo, sem dúvida a interrupção de seus trabalhos, agora, só haveria de ter motivação eleitoral. E Biscaia ajudou muito essa última interpretação, ao afirmar que 'o resultado das eleições presidenciais vai interferir na segunda fase da CPI, que vai centrar suas investigações na relação da máfia das ambulâncias com o Executivo'. Ainda que mal perguntemos, o que quer dizer isso? Acaso quer dizer que, dependendo de quem vença a eleição presidencial, a CPI poderá tomar este ou aquele rumo investigatório? Não pareceria isso (no mínimo) muito esquisito? Eis alguns comentários, a propósito: 'Ele (Biscaia) deve estar sendo pressionado. Não está enfrentando as questões abertamente' (sub-relator Fernando Gabeira, PV-RJ); 'Acho que o Biscaia está sofrendo algum tipo de pressão. Espero que amanhã ele retome a sua biografia' (sub-relator Carlos Sampaio, PSDB-SP); 'Existe uma pressão grande para não ter reunião da CPI antes do segundo turno' (deputado Julio Delgado, PSB-MG); 'O Biscaia jogou a favor do governo para não haver sessão da CPI' (deputado José Carlos Aleluia, PFL-BA). Registre-se que o deputado Biscaia sempre foi figura muito respeitada pelos colegas - mas não conseguiu reeleger-se.
Agora, a pergunta ingênua: Será que depois do segundo turno o Congresso e as CPIs voltarão a funcionar?