Título: A nova lei de drogas
Autor: Luiza Nagib Eluf
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

Acaba de entrar em vigor a Lei nº 11.343, de 23/8/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, o Sisnad, trazendo algumas alterações importantes no tratamento dado aos usuários e traficantes de entorpecentes no País.

Há muito tempo vinham sendo feitos esforços para mudar a lei anterior, de nº 6.368/76, mas várias tentativas fracassaram. Finalmente agora foi possível chegar à aprovação e sanção do novo sistema que vai regular a forma de abordagem de um problema nacional da mais alta gravidade. Dentre as alterações relevantes, está a não-punição do usuário de entorpecentes com prisão, o que está absolutamente correto. Não houve a descriminação do porte de droga para uso próprio, que continua sendo infração penal, apenas foi abrandada a reprimenda, que não mais implicará privação de liberdade. No artigo 28 da nova lei, estão previstos para o usuário: advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa, as duas últimas pelo prazo mínimo de cinco meses, ou ainda, em caso de descumprimento das sanções aplicadas, poderá haver admoestação verbal e pena de multa. Além disso, a lei determina que o poder público ponha à disposição do dependente, gratuitamente, estabelecimento de saúde para tratamento especializado.

A disponibilidade de atendimento à saúde do dependente de drogas é da maior importância, pois consiste na única forma potencialmente eficaz de sua recuperação e reintegração social. Tal providência, no entanto, requer grandes investimentos do Estado, que está muito longe de atender a essa demanda, atualmente. Além disso, não convém internar esse tipo de paciente em estabelecimentos que cuidam de distúrbios psiquiátricos em geral, pois a convivência com doentes mentais não ajuda o dependente de drogas a melhorar suas condições psicológicas. Como a própria lei usa a expressão 'tratamento especializado', será preciso criar locais públicos verdadeiramente adequados ou fazer parcerias com a iniciativa privada.

Alguns profissionais da área médica, jurídica e social chegaram a alimentar expectativas de que a nova lei não mais punisse o usuário ou dependente de drogas com sanções criminais e, nesse caso, seriam tomadas apenas medidas sanitárias e de saúde pública com relação ao consumo. Esse pensamento, porém, não vingou, por se ter entendido que o Estado precisaria acompanhar e, às vezes, induzir ao tratamento. O objetivo é a mudança de comportamento do dependente ou de quem está prestes a se tornar um, por meio da intervenção direta da Justiça. Nesse sentido, o Sisnad reconhece que o uso indevido de drogas é um fator prejudicial à qualidade de vida do indivíduo e à sua relação com a comunidade. Bem por isso, determina a formação de profissionais da área de educação para a prevenção ao uso de drogas nos três níveis de ensino e a implantação de projetos pedagógicos nas instituições de educação.

Com relação ao traficante, a nova lei endureceu: aumentou as penas, que eram de 3 a 15 anos, para de 5 a 15 anos de reclusão, cumulados com o pagamento de multas.

Outra inovação referente ao conceito de traficante de drogas trazida pelo Sisnad é a diferenciação de quem cede eventual e gratuitamente uma porção de droga a outra pessoa daquele que comercializa o entorpecente. De acordo com a lei anterior, mesmo quem fornecesse gratuitamente pequena quantidade de droga a um amigo, a fim de consumirem juntos, estaria sujeito à pena prevista para o tráfico, ou seja, de 3 a 15 anos de reclusão. A nova lei, embora continue reprovando esta conduta, que, sabe-se, é corriqueira entre usuários, estipula uma pena menor, de 6 meses a 1 ano de detenção, mais multa.

Nessa linha de estabelecer uma gradação mais definida entre as várias maneiras de promover a circulação das drogas, a nova lei diferencia o ato de financiar ou custear o tráfico, prevendo uma pena bastante severa, que vai de 8 a 20 anos de reclusão.

Haverá, ainda, punição específica para quem conduzir embarcação ou aeronave após consumir drogas, expondo a dano a integridade de outras pessoas.

Por sua vez, o acusado que colaborar com a investigação, identificando comparsas e ajudando a recuperar o produto do crime, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

Os bens obtidos com o tráfico de drogas estarão sujeitos a apreensão e seqüestro, desde o inquérito até a decisão final do processo, o que dificultará bastante a atividade econômica ligada ao crime organizado de maneira geral.

A nova lei não se esqueceu de prever a cooperação internacional no combate ao tráfico de drogas, pois é evidente que esse comércio não tem fronteiras e é impossível reprimi-lo se não houver intercâmbio de informações e de inteligência policial entre os países.

É importante lembrar que, para o Direito Penal, a lei mais severa não retroage e não gera efeitos com relação aos atos praticados anteriormente à sua vigência. Assim, quem praticou tráfico de drogas antes de 14 de outubro de 2006 continua sujeito a uma pena de 3 a 15 anos de reclusão, não sendo afetado pela majoração da punição, posteriormente instituída.

Está claro que a nova lei é mais adequada para lidar com o uso e o tráfico de drogas do que a anterior, elaborada em 1976. Para que os avanços tenham um significado real, no entanto, é preciso que a Justiça se modernize, acelere o julgamento dos processos e adote medidas eficazes de acompanhamento dos usuários e dependentes, com vista à sua recuperação. Ao mesmo tempo, caberá ao Poder Executivo providenciar os recursos financeiros e humanos necessários ao atendimento à população vitimada por esse comércio destruidor.