Título: O debate visto por quem decide
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2006, Nacional, p. A6

Quando Lula insistiu em falar da passagem de Alckmin pelo governo do Estado, quis mostrar que o adversário também tem lá sua responsabilidade pelo ¿que está aí¿. Quando Alckmin chamou Lula de ¿candidato¿ - e não de ¿presidente¿ - tentou descolar o rival de seu governo, que é bem avaliado nas pesquisas. Lula trocou a estrela do PT na lapela pela bandeira do Brasil para não se associar a um partido bombardeado por denúncias. O tucano falou mais explicadinho para alcançar os menos instruídos. Foi menos agressivo porque viu que o povão não estava gostando disso. Lula foi irônico para mostrar que não está amedrontado. Ambos falaram pouco de corrupção, porque viram que o tema já cansou. No fim, ficou a impressão: foi uma peleja entre o ¿presidente de botequim¿ - um sujeito que quer passar a imagem de ¿gente como a gente¿ - e o ¿calculista¿ - o que quer mostrar que é um ¿administrador certinho¿.

Emitidas por cinco eleitores convidados pelo Estado para comentar o debate de ontem entre Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, opiniões do gênero são o que parecem: um amontoado de pequenas sentenças proferidas a partir de critérios aéreos, como um momento de irritação, uma resposta velhaca ou uma aparência confiante. Mas podem decidir uma eleição. Por isso, em toda a campanha eleitoral, e principalmente em debates, os candidatos não dão um passo sem a orientação de pesquisas qualitativas.

O grupo montado pelo Estado contou com dois eleitores de Lula, o professor Antônio Carlos da Silva e a universitária Sofia Strezi e Silva; dois eleitores de Alckmin, o médico Flávio Tokuchi e a administradora da empresas Cristina Salgado. Para completar, uma eleitora indecisa, Roseli Buqui. Assim como costuma acontecer nas pesquisas qualitativas, eles resmungaram ao julgar ouvir mentiras, elogiaram boas tiradas, prestaram atenção nos gestos e na aparência dos candidatos.

¿Ele não lê nada, né? Sabe tudo de cabeça. Isso passa muita confiança¿, comentava a ¿alckmista¿ Cristina Salgado a cada vez que seu candidato recitava dados olhando direto para a câmera. ¿O debate está refletindo a sociedade, ninguém mais agüenta ouvir falar em corrupção. A esta altura todo mundo já pensa: `Ó, bicho, quero ver o que você tem para propor¿¿, afirmava o lulista Antônio Carlos da Silva. ¿O Alckmin foi bem com a frase `o Brasil pode mais, merece mais¿¿, considerava Flávio Tokuchi.

Estivessem em uma das dezenas de grupos de pesquisa qualitativa espalhados Brasil afora pela campanha dos candidatos - e usados para monitorá-los em debates -, os eleitores ouvidos teriam pedido justamente para que eles recorressem menos ao artifício. ¿Eles deviam atuar menos de olho no que as pesquisas querem. A gente percebe que é tudo um circo armado. Fica muito evidente que eles estão falando tudo de caso pensado¿, criticou Roseli. ¿Mas os dois com a mesma gravata? É para aparecer bem no cenário...¿, queixou-se Tokuchi.

Ao longo da campanha, os candidatos têm suas atitudes monitoradas pelas pesquisas qualitativas, guardadas a sete chaves por seus estrategistas. Quando as ¿quális¿ mostravam que Alckmin precisava mesclar sua imagem de ¿administrador¿ com um perfil mais assertivo, ele perguntou a Lula no primeiro debate do segundo turno: ¿De onde veio o dinheiro sujo?¿ No dia seguinte, de olho nas pesquisas, o presidente apostou na estratégia de que os eleitores querem ver proposta e não acusações. Disse que o debate foi ¿o dia mais triste de sua vida¿ e que o adversário se comportou como um ¿delegado de porta de cadeia¿.

De tão expostos a essas evidências, os eleitores acompanharam o debate de ontem atentos ao que poderia ser obra dos marqueteiros. ¿O Lula falou que estava tudo bem com a saúde em um bloco. No seguinte, voltou ao assunto e tentou corrigir. Isso aí com certeza é orientação¿, comentou o lulista Antônio Carlos da Silva.

¿As pessoas têm noção de que a campanha é construída e vêem nos debates a oportunidade de encontrar uma surpresa que dê indicativo do caráter dos candidatos¿, diz Fátima Pacheco Jordão, analista de pesquisas da TV Cultura e uma das primeiras pesquisadoras a aplicar qualitativas em campanhas eleitorais no Brasil.

Ontem, sobrou uma conclusão aos convidados: pouca coisa no debate foi espontânea.