Título: Chance de ouro perdida
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2006, Notas e Informações, p. A3

É cedo para dizer se o apoio do casal Garotinho ao tucano Geraldo Alckmin lhe trará mais prejuízos do que benefícios, ou vice-versa. Os que acreditam nos benefícios argumentam que, principalmente no interior do Rio de Janeiro, o ex-governador está longe de ser um fósforo queimado e dão o exemplo do candidato de sua predileção para a Câmara dos Deputados, Geraldo Pudim, do PMDB, que foi o segundo mais votado pelos fluminenses, com 272 mil votos (ficando a 20 mil votos de distância de Fernando Gabeira). De outro lado, tendo perdido para Lula no Rio pela significativa diferença de 1,6 milhão de sufrágios, compreende-se que Geraldo Alckmin parta da premissa de que toda ajuda serve para reduzir essa desvantagem.

Os que acreditam em prejuízos argumentam que muitos do 1,4 milhão de eleitores do Estado que preferiram a carbonária Heloísa Helena, dando-lhe 15% dos votos válidos, de longe, mais que o dobro do seu total nacional, quiseram com isso duas coisas: levar o pleito para o segundo turno e homenageá-la por seu apregoado ¿bom combate¿ no plano da ética. Ou seja, um contingente de 700 mil eleitores cariocas de Heloísa, numa estimativa por baixo, tenderia a se inclinar por Alckmin em 29 de outubro.

Mas, para esse eleitorado, ver o candidato da coligação Por um Brasil Decente confraternizando com a dupla mais de uma vez acusada de indecências administrativas pode ter sido uma decepção sem recuperação.

Além disso, alegam os que não acreditam que o apoio de Garotinho traga benefícios para Alckmin, as reações teatrais do prefeito carioca, Cesar Maia, do PFL, e da candidata do PPS ao governo estadual Denise Frossard, rompendo com Geraldo Alckmin, certamente foram calculadas e não espontâneas, mas poderão ter algum reflexo nas urnas.

Mas, mesmo que os Garotinhos dêem ao tucano mais do que dele o privem, a essência do problema não se altera. Eis um presidenciável que passou meses repetindo platitudes e generalidades sobre os seus planos de governo, ao mesmo tempo que se esmerava em aparecer como obcecado com restaurar a moralidade na esfera pública federal.

Agora, diante do efeito negativo do ato inaugural de sua campanha para o segundo turno, Geraldo Alckmin saiu-se com uma seqüência de chavões: ¿Adesão não se recusa¿, ¿não vou proibir ninguém de me apoiar¿, ¿só tenho compromissos com o povo¿. Isso apenas deve ter servido para equipará-lo ao comum dos políticos - dos quais o seu eleitorado em especial está farto. Essa sua atitude dá a medida do seu constrangimento, talvez por ter-se dado conta de que perdeu uma oportunidade de ouro. Tivesse tido a coragem de ousar, produziria um acontecimento político inédito neste país em que a população já se cansou de achar que em política ¿é tudo farinha do mesmo saco¿.

Presumindo-se que não partiu de Geraldo Alckmin a iniciativa de pedir o apoio do estigmatizado casal Garotinho, ele poderia surpreender o eleitor, devidamente informado da adesão oferecida, com um pronunciamento que demarcasse com singela nitidez os limites para alianças eleitorais. Fiel ao seu estilo contido, sem citar nomes nem disparar acusações, ele apareceria nos telejornais declarando que não há nada de errado em buscar e receber apoios de políticos que não integraram a sua coligação - é também para isso que existe o segundo turno -, desde que apoiadores e apoiados tenham inequívocas afinidades em matéria de exercício da função pública com o mais absoluto respeito pelos valores morais básicos.

Imagine-se um candidato a presidente da República, que construiu a sua campanha sobre fundações éticas, assegurando, olho no olho do espectador, que prefere perder uma eleição sem abrir mão de suas convicções do que vencê-la transigindo com elas. O impacto desse gesto teria o potencial de definir os rumos da campanha prestes a recomeçar. Ainda mais depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora ressalvando que ¿o povo brasileiro merecia uma discussão melhor¿, desafiou o adversário a ¿discutir profundamente ética e corrupção¿.

E, certamente, lhe renderia mais votos do que os que Garotinho lhe possa trazer.