Título: Mensagem aos candidatos
Autor: Ernesto Heinzelmann
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

O crescimento da economia chinesa é um dos fenômenos mais marcantes das duas últimas décadas. A China tornou-se rapidamente uma potência comercial, já responde por cerca de 8% da produção industrial global, e afeta profundamente a formação de preços de produtos industrializados e de recursos naturais.

O Brasil sente os efeitos do crescimento chinês em várias frentes. De um lado, é um fornecedor vital de matérias-primas das quais a China tem carência estratégica. Os setores agrícola e de recursos naturais foram largamente beneficiados pelo apetite chinês. Em menor escala, crescem também as exportações de manufaturados brasileiros para aquele país.

De outro lado, diversos setores industriais brasileiros têm sentido o peso crescente dos competidores chineses. O impacto interno tem recebido muita atenção, possivelmente em detrimento da avaliação de uma questão com efeitos mais profundos para o País: a perda de competitividade das exportações nacionais em terceiros países.

Apesar do crescimento recente do valor exportado pelo País, os porcentuais de participação de diversos produtos industrializados têm caído em razão da competição com equivalentes chineses. Estruturalmente, esta tendência pode ter efeitos significativos sobre o próprio modelo de inserção do Brasil na economia mundial.

A ascensão econômica da Ásia, e não apenas da China, afeta diversas cadeias de produção e de valor global, e torna urgente a adoção de políticas para estímulo à competitividade industrial brasileira. Não se posicionar nas novas correntes de comércio, produção e inovação de forma adequada pode representar a opção por um modelo de obsolescência acelerada de nossa indústria.

Neste cenário, a China não é culpada e muito menos vilã destruidora de mercados: ela é, antes de tudo, um gigantesco alarme, que soa no Oriente e nos lembra de que algumas reformas estruturais são absolutamente necessárias no Brasil.

Lidar com o desafio chinês exige respostas do Brasil. A primeira é a das atitudes empresariais. Empresas dos mais diversos setores têm feito negócios com a China ou na China, o que exige determinação, foco e a adoção de estratégias adequadas para um mercado tão competitivo.

Para diversos setores brasileiros, a China tem sido grande motor do crescimento recente. Em outros, começa a materializar-se o potencial do gigantesco mercado de consumo chinês, bem como a China como plataforma competitiva para sua produção. Já para um terceiro grupo, pode representar o estímulo a uma reflexão profunda sobre suas condições de competitividade ou seu modelo de negócio. Mesmo em segmentos intensivos em mão-de-obra, é possível competir com equivalentes chineses, mas isso exige ganhos de eficiência, investimentos em tecnologia, redução de custos e políticas de inovação.

Não inserir o fator China no planejamento estratégico empresarial é um risco para qualquer indústria, independentemente de seu tamanho. Avaliar o impacto estratégico chinês significa não apenas ter acesso a boas informações econômicas e estatísticas sobre produção, mas sobretudo ir além da caricatura de um país produtor apenas de brinquedos, vestuário e outros artigos intensivos em mão-de-obra e compreender que a China é cada vez mais um país exportador - e altamente competitivo - de produtos de alto teor tecnológico.

A segunda resposta está na esfera das políticas públicas. Dado que a China é apenas a porção mais evidente de uma tendência de deslocamento dos principais eixos industriais e comerciais do mundo rumo à Ásia, que tipo de medidas o Brasil precisará adotar a fim de estimular um ambiente mais propício à produção e aos investimentos?

As demandas das empresas e da sociedade são conhecidas: menos tributos, mais estímulos ao investimento, à produção e à inovação, menos burocracia, infra-estrutura, educação, saúde e segurança, ambiente regulatório e instituições estáveis e transparentes, uma política externa mais agressiva na promoção de negócios brasileiros no exterior.

Nenhum destes pontos é novidade e quase nada têm que ver com a China isoladamente. No entanto, o impacto crescente da China sobre a indústria nacional aumenta a pressão externa para a adoção de uma agenda de desenvolvimento, com visão de longo prazo, na medida em que sinaliza mudanças profundas nos padrões de competição internacional.

A terceira resposta diz respeito a nosso projeto de país. A China claramente tem um. E o Brasil? Aplicar o modelo chinês ao Brasil não faz sentido, uma vez que depende fundamentalmente de um sistema político diferente do nosso. O que o Brasil pode aprender com a China é a capacidade de estabelecer metas de longo prazo e a determinação para atingi-las.

Definir tais metas não é difícil. Todos queremos um País que cresça mais e com melhor distribuição, mais justiça, uma população mais educada e com condições de vida mais dignas, mais e melhores condições para que nossas indústrias sejam competitivas globalmente.

É importante insistir num ponto fundamental para o crescimento sustentável de qualquer nação. No passado, muitos dos aspectos hoje em discussão relativos à China tinham como objeto a Coréia do Sul. A Coréia e, agora, a China, e assim será com outras nações emergentes que terão sucesso, investem persistentemente e com qualidade na educação de seu povo.

É o alarme que toca mais uma vez e insistentemente. Hoje é a China, amanhã serão outras as nações a nos superar.

A escolha é nossa, e os exemplos da China e de seus vizinhos estão aí a lembrar-nos de que temos pouco tempo para tomar algumas decisões cruciais.