Título: Equívocos em série
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2006, Nacional, p. A6
O apoio de Anthony Garotinho a Geraldo Alckmin provocou tão intensas reações - de lamento entre os aliados e regozijo por parte dos adversários - que a forasteiros desembarcados ontem pareceria fato determinante de vitória ou derrota.
O personagem também ganharia uma importância desproporcional à sua real relevância no cenário político, atualmente reduzida à eleição com excelente votação de um deputado federal de nome Pudim.
Os correligionários do candidato à reeleição e presidente Luiz Inácio da Silva riram-se a valer, por achar que a adesão de Garotinho causaria sérios estragos à imagem daquele que pretende se apresentar ao eleitorado como a encarnação terrena da ética, da moral e dos bons costumes.
Os partidários de Alckmin apavoraram-se pelo mesmo motivo. O apoio acabou virando uma crise real na campanha da aliança PSDB-PFL porque o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, e a candidato ao governo do Estado apoiada por ele, Denise Frossard, saíram atirando paus e pedras naquele que Alckmin talvez tenha acreditado ser o primeiro evento de peso político da segunda etapa de sua campanha presidencial.
Poucas vezes se viu uma conjunção tão completa de incongruências e equívocos, sendo os mais brandos e breves os cometidos pela campanha de Lula.
As ironias contemplavam um personagem de quem o PT não só já recebeu apoio como a quem se aliou formalmente no governo do Rio, na aliança Garotinho governador, Benedita da Silva, vice.
Em nome dessa aliança, o PT nacional anulou na base da intervenção a escolha da candidatura petista (Vladimir Palmeira) em 1998.
PT e Garotinho dividiram a mesma casa, Benedita por conta dessa coligação governou o Rio de Janeiro durante o ano de 2002, e terminaram a relação em litígio pesado com o ex-governador, lançando premonitório o dístico 'partido da boquinha' para qualificar o PT.
E aí, no esquecimento proposital de que suas próprias companhias (as atuais inclusive) não recomendam críticas ao alheio, termina a participação dos aliados de Lula nesse episódio e começa a performance errática de tucanos e pefelistas.
Uma campanha onde dois aliados literalmente chutam a candidatura presidencial por contrariedade às suas circunstâncias regionais, francamente tem crise que merece.
Para Cesar Maia e Denise Frossard, Alckmin servia para presidir o Brasil até o inimigo de ambos declarar seu voto nele. A partir daí, não serve mais. De duas, uma: ou nunca acharam o candidato grande coisa para presidente ou agora fazem jogo de cena.
Geraldo Alckmin e seu partido também deram contribuição inestimável ao enfiar de pés pelas mãos.
Receberam apoio de Garotinho sem nenhuma preparação nem tiveram a preocupação de dar primazia à aliada Denise Frossard no empréstimo do apoio formal. Deram-na como fava contada.
Devem ter pensado também o seguinte: se Lula beija a mão de Jader Barbalho, chama Ney Suassuna de amigo fiel, entrega cheque em branco a Roberto Jefferson e afirma fé no 'trabalho extraordinário' que Fernando Collor poderá fazer no Senado em sua volta à vida política, por que Alckmin não pode receber o apoio descompromissado de Garotinho?
Porque até aonde a vista alcança a estratégia eleitoral do tucano inclui se diferenciar do adversário e o ex-governador do Rio tornou-se um símbolo de transgressão, seja justa ou injusta a pecha.
A primeira foto de apoio no segundo turno, convenhamos, não poderia carregar o estigma. Talvez os tucanos não conseguissem o melhor - uma pose com Fernando Gabeira, este sim a tradução da imagem que Alckmin quer transmitir ao eleitor -, mas também não precisavam ter começado pelo pior.
Mau combate
A senadora Heloísa Helena e a candidata Denise Frossard caminham na contramão do que pregam em seus discursos ao levantarem o estandarte do voto nulo.
A candidata do PSOL, que se orgulhou na campanha de ter feito o 'bom combate', como dizia em seu horário de televisão, dedica-se agora ao mau combate, desqualificador do exercício do voto.
Frossard surpreende especialmente ao sobrepor sua irritação e conveniência regional-eleitoral a preceitos que, como juíza, era de supor que encarnasse.
Pedir votos para si e ao mesmo tempo pregar a nulidade do exercício da escolha para outrem é mais que uma incoerência, é oportunismo, para não dizer ato de lesa-cidadania.
Mercado futuro
Os amigos de José Serra no PT espalham que a ele não interessa a vitória de Geraldo Alckmin e sim a de Lula, pois com isso teria garantida a chance de concorrer em 2010.
No PSDB, a versão não causa espanto. Principalmente depois que Aécio Neves mandou avisar que Alckmin terá 60% dos votos de Minas Gerais.