Título: No auge da crise, Nossa Senhora na lapela
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2006, Especial, p. H4

Em 96 dias de campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez 41 comícios, ficou com a voz embargada em pelo menos uma dezena deles e chorou outras tantas vezes. Não é uma coisa rara: desde os tempos em que era torneiro mecânico, Lula chora até com novela. A fisionomia amarrada foi uma defesa que ele próprio criou quando presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, de 1975 a 1980, época em que o enfezado personagem João Ferrador estampava a camiseta dos operários.

Quinze quilos mais magro, prestes a completar 61 anos - que serão comemorados no próximo dia 27 -, Lula ainda conserva o carisma do líder de massas e tem o hábito de contar até dez quando está nervoso, para não estourar. Embora seus comícios nem de longe reúnam o público de antigamente, com crise ou sem crise o presidente continua empolgando militantes do PT, que jogam bilhetinhos e atiram até camisetas no palanque para ele autografar.

'Abaixem as bandeiras para que eu possa ver o rosto de vocês e para que vocês possam perceber como eu estou mais bonito!', pediu Lula na terça-feira, logo que pegou o microfone na Praça da Estação, em Belo Horizonte. 'Não tem coisa mais importante do que fazer o último comício na terra onde nasci politicamente', disse ele dois dias depois, em São Bernardo, ao explicar por que havia trocado o debate na TV Globo pelo comício com os companheiros.

'Lula é pura intuição. É isso que o diferencia dos outros', afirma José Carlos Espinoza, segurança do tipo 'armário' que o acompanha desde 1986 e hoje trabalha no gabinete da Presidência, em São Paulo.

Com medo de anestesia, Lula fez um pacto com Espinoza muito antes de ser presidente: se um dia ficar inválido e dependente dos outros quer que o amigo pratique a eutanásia. 'Ele me falou isso, mas interpretei como brincadeira. Dizia assim: se eu morrer, venho puxar a sua perna. Eu respondi: 'Deus me livre! Não brinque com isso.'

Na crise do mensalão, Lula confidenciou que somente as viagens lhe davam 'oxigênio' para continuar. Católico, fez promessa para Nossa Senhora Aparecida, exibindo a imagem na lapela do paletó. Nessa época, a emoção brotava quando lembrava de sua mãe, Eurídice Ferreira de Melo, a dona Lindu, que morreu em 1980 quando ele estava preso, enquadrado pela Lei de Segurança Nacional por causa das greves no ABC.

'Depois que Lula saiu da prisão, soltou todos os passarinhos que tinha na gaiola', conta o amigo Frei Betto. O frade dominicano foi um dos responsáveis pela organização do Fome Zero, marca que abriga o programa Bolsa-Família, mas pediu para deixar o governo no fim de 2004, por discordar da política econômica.