Título: Alckmin, o homem que acredita em trabalho, disciplina e sorte
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2006, Especial, p. H6

Durante onze anos, todos os domingos, às 17 horas, quando qualquer homem estaria aboletado à frente da TV para ver o jogo do seu time, o então vice-governador - e depois governador - de São Paulo sentava-se no gabinete de trabalho e ligava para os líderes regionais do interior paulista. ¿Como vai a família?¿, perguntava, interessado. O líder interiorano caía das nuvens na conversa que incluía uma resposta para o pedido feito no encontro anterior. Religiosamente, como em tudo que faz, Geraldo Alckmin conquistou apreços distribuindo atenções.

No entanto, nunca foi de integrar ou incensar patotas - fez o que seus amigos qualificam de carreira-solo. Em 1994, foi escolhido por Mário Covas para ser vice em sua chapa e estabeleceu com o velho líder uma amizade; não aderiu a seu grupo político, mas acabou herdando-o. Em 2000, Covas lançou-o candidato à Prefeitura de São Paulo, num gesto que simbolizou a unção do sucessor. Alckmin - um político do interior - disputou e ficou a 7 mil votos do segundo turno, na única eleição que perdeu, das oito que disputou.

A SORTE INCOMUM

¿Ele tem uma sorte incomum¿, constata João Carlos Meirelles, coordenador do seu programa de governo. Com 23 anos, candidato a prefeito de Pindamonhangaba (SP), saiu de casa ao final da apuração, para cumprimentar o rival que reputava vitorioso. Passou pelo bar onde os amigos se reuniam e todos correram para abraçá-lo: ele ainda não sabia que tinha virado o placar nas duas últimas urnas.

Alckmin admite a sorte, mas mantém a disciplina e a disposição de trabalho. Trabalhando sempre da mesma forma, ele construiu uma liderança sólida em Pinda, espraiou-a a todo o Vale do Paraíba e, adiante, ao Estado inteiro, mesmo com toda a circunspecção que o faz impenetrável a amigos e aliados. Se eleito, terá dois desafios; vencer a tendência de centralizador; e articular a ¿grande política¿ nacional, ele, que até aqui só fez política local e regional. ¿É paciente, um atributo vital em política¿, avalia Arnaldo Madeira, seu ex-chefe da Casa Civil.

Construiu a carreira política perto da família. Eleito deputado estadual, mudou-se para São Paulo com mulher e filhos; assim, acompanhou a formação dos meninos, embora reservasse os fins de semana para visitar as bases no interior. Deputado federal, levou a família para Brasília; nos fins de semana, vinha ver as bases.

Na prática política, não dissimula o seu lado pessoal conservador. Num congresso de mulheres do PSDB em Brasília, pediram-lhe para hospedar duas moças do Rio de Janeiro em seu apartamento de deputado. Ele quase foi à indignação para rechaçar o pedido: ¿Claro que não. Lu (sua mulher) não está aqui. Não ficaria bem.¿

Teve dois partidos na vida - o MDB e o PSDB. Em 1972, aos 19 anos, num dos momentos mais impulsivos de sua biografia, filiou-se ao MDB, mesmo sendo estudante universitário, numa época em que a oposição e os estudantes estavam marcados pela perseguição da ditadura. Mas, ao contrário de muitos universitários, não entrou para a política animado pela luta ideológica: queria fazer política partidária, não estudantil.

Em toda a sua carreira, nunca foi alvo de uma denúncia minimamente consistente de corrupção. No governo de São Paulo, o PT tentou emplacar contra ele várias CPIs, umas sem pé, outras sem cabeça; ele conseguiu driblar todas, mas não escapou de uma traição que - ao contrário de seu principal rival de agora - nunca chorou em público: uma bizarra aliança dos petistas com o PFL ganhou a Mesa da Assembléia, derrotando o seu candidato. Não passou recibo: conviveu com a nova Mesa sem queixumes.

Na época de vereador, até pela precoce idade, era Geraldinho (em Pinda, o tratamento vale até hoje); aos poucos, virou Alckmin; com Covas, voltou a ser Geraldinho; agora, com a dificuldade dos eleitores menos letrados para solfejar o sobrenome, virou Geraldo. Ele descende da família Rodríguez Alckmin, uma união de espanhóis com judeus sefarditas que aportou na Bahia, no século 19, atravessou o Rio São Francisco e foi bater em Baependi (MG). Uma parte ficou em Minas e virou Alkimin (do ex-ministro da Fazenda de JK, José Maria Alkimin); outra, veio para São Paulo com a grafia Alckmin.

JÓIA DA COROA

Mas na disputa pela indicação tucana à Presidência não cometeu nenhum erro. Primeiro, anunciou-se logo como postulante, ganhando espaço e constrangendo José Serra, que, prefeito de São Paulo, não podia se declarar candidato. Para mostrar sua decisão irredutível, no dia 1º de fevereiro, dois meses antes do prazo de desincompatibilização, um caminhão pegou os seus pertences no Palácio dos Bandeirantes e os levou para o sítio da família, em Pinda.

Marcou Serra colado. Na reta final, os dois, quase brigados, foram postos num tête-à-tête, na casa de um amigo comum. Alckmin disse a Serra, com surpreendente lógica, que o PSDB podia se dar ao luxo de perder a Presidência da República, mas não poderia perder a jóia da coroa, o governo de São Paulo - o qual ele, Alckmin, estava impedido de disputar. ¿Tem de ser você¿, disse a Serra, sugerindo que esta seria uma missão para ¿manter o espaço vital¿ do PSDB e argumentando que os tucanos não poderiam errar. Sabe que não tem carisma e que seus êxitos dependem do trabalho, da disciplina... e da sorte. Por isso, cuida dos dois primeiros atributos, porque do terceiro cuidará o destino.

Tem um método paciente de decidir: ouve um de cada vez, recolhe as opiniões e depois decide sozinho. Quando um auxiliar lhe traz um assunto e ele responde ¿deixa aí, que depois eu vejo¿, está, na verdade, antecipando uma negativa. É ¿estupidamente centralizador¿, dizem seus auxiliares. Seu comedimento funciona bem para exaltar seu aspecto íntegro, mas economiza empolgação nas campanhas eleitorais. ¿Ele tem sangue-frio suficiente para ganhar em cima do laço¿, diz o deputado Edson Aparecido, entusiasta de sua campanha.

Agora, durante a campanha, aplainou a rusga com Serra e construiu grande estima pelo senador Tasso Jereissati, presidente do PSDB. Mas segue sem patota, segue sendo um político desconfiado. Se for eleito, ninguém conseguirá antecipar quem seriam os seus homens de confiança política.

Mas enquanto a eleição não vem, seu futuro é recheado de especulações. Se ganhar, o Palácio do Planalto vai conhecer o estilo superaustero; se perder, ficará sem cargo, ¿no sereno¿, mas será uma grande estrela do partido, conhecido de Norte a Sul - e provavelmente será o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, em 2008.