Título: Crescimento ainda é o desafio
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2006, Especial, p. H10

Se nada mais tivesse dado certo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele ainda poderia alegar, como costuma fazer, que 'nunca antes na história deste país' a dívida externa foi zerada e o Estado brasileiro tornou-se credor do resto do mundo. De fato, em agosto de 2006, o setor público como um todo exibia créditos líquidos em relação ao resto do mundo de US$ 11,8 bilhões. Quando Lula assumiu, havia uma dívida líquida de US$ 64,2 bilhões. Este feito é altamente simbólico, considerando-se que durante décadas a esquerda se bateu contra 'as perdas internacionais' sofridas pelo Brasil e lutou para que a dívida externa fosse repudiada, auditada ou renegociada.

O fim da vulnerabilidade externa, acompanhado do encerramento amistoso, em março de 2005, do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), faz parte da impressionante coleção de sucessos de Lula na área econômica. A inflação, que atingiu 12,53% em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, deve fechar 2006 em 3,03%, de acordo com a mais recente projeção média do mercado. As exportações cresceram de US$ 60,4 bilhões em 2002 para mais de US$ 130 bilhões em 2006. No mesmo período, o saldo comercial saltou de US$ 13 bilhões para níveis acima de US$ 40 bilhões, em 2005 e 2006. O risco Brasil, por sua vez, caiu de 1.439 para 232, e o volume de crédito na economia subiu vigorosamente (veja os gráficos).

Apesar de tantos trunfos para exibir, o desempenho econômico de Lula não inclui o que seria o prêmio principal: a retomada do crescimento sustentado a um ritmo minimamente condizente com um país emergente. Em 2004, quando o PIB cresceu 4,9%, uma onda de otimismo tomou conta de economistas de diferentes tendências. A visão era de que, controlada a crise eleitoral de 2002 e seus reflexos em 2003, o País iniciava uma fase de crescimento sustentado com inflação sob controle e solidez nas contas externas. Mas o Banco Central (BC) voltou a elevar os juros para controlar um repique da inflação e o desempenho de 2005 e 2006 revelou-se pífio.

O ÚLTIMO DOS BRICS

Na média, o PIB deve crescer entre 2,6% e 2,8% ao ano no governo Lula, dependendo do resultado final de 2006. Isso significa um pequeno avanço em relação à média de 2,3% dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, mas está a anos-luz do ritmo, durante os quatro anos do governo de Lula, dos outros companheiros do Brasil no grupo Brics de grandes países emergentes que supostamente dominarão a economia global em meados do século 21. A Rússia teve uma média de 6,8%, a Índia de 8% e a China de 10,1%.

Existe hoje um intenso debate sobre por que a economia brasileira cresce tão pouco, mesmo tendo feito progressos notáveis em termos de estabilização interna e externa. Há um consenso de que o governo Lula, ao contrário de Fernando Henrique, foi brindado por um cenário externo excepcionalmente favorável, com alta de preços dos produtos básicos exportados pelo Brasil e ampla liquidez financeira internacional.

Para os tucanos, sem as crises internacionais que abalaram sucessivas vezes os países emergentes durante o governo FHC, Lula tinha a obrigação de fazer o País crescer mais rápido. Os petistas contra-atacam dizendo que as tarefas de fazer a inflação baixar do nível de 12,5%, no último ano de Fernando Henrique, e de reestabilizar a economia impediram um crescimento mais acelerado.

O economista Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-Rio), tem uma visão mais abrangente da questão. Ele acha que Lula aprofundou uma tendência que já vinha da era FHC, que ele define com uma fórmula inversa àquela usada pelo ex-ministro da Fazenda Delfim Netto durante o governo militar. 'Em vez de fazer o bolo crescer antes de repartir, o Brasil da última década optou por repartir o bolo antes de fazê-lo crescer', diz o economista .