Título: Mantega promete `soltar o freio¿ na política de juros e crédito
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2006, Economia, p. B3

As linhas básicas da política econômica serão mantidas em um eventual segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo informou ao Estado o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A grande diferença, avalia, é que agora a inflação foi derrotada. Isso abre espaço para uma política de juros menos conservadora. ¿Vai começar um período de crescimento acelerado da economia¿, anunciou o ministro. Ele acredita em uma expansão na casa dos 5%, num otimismo que contrasta com o fato de o Banco Central ter baixado, na quinta-feira, a projeção de crescimento da economia de 4% para 3,5%. Seguem os principais trechos da entrevista.

A ECONOMIA EM 2007

Em 2007, vai começar um período de crescimento acelerado da economia brasileira. A tônica vai ser o desenvolvimento sustentável. O Brasil vai entrar no rol dos países em desenvolvimento dinâmicos, mas isso é algo que depende do enfrentamento de alguns desafios. O primeiro é manter as conquistas já obtidas na esfera monetária, fiscal e externa. O crescimento sustentável de longo prazo não pode prescindir de ter um Orçamento equilibrado, uma inflação baixa, uma baixa vulnerabilidade externa.

JUROS

A inflação está baixa, por isso não temos de fazer o mesmo esforço que fizemos até agora para controlá-la. Assim, a política monetária (de juros) entra numa nova fase, mais amena. Os juros, que eram para derrubar a inflação, agora são para mantê-la. É uma mudança de fase. Antes, estávamos puxando o freio e, agora, podemos soltar. Soltar mais crédito, reduzir a taxa de juros.

AGENDA DE CRESCIMENTO

Consideramos que a carga tributária é elevada, assim como eram os custos financeiros. No passado, esses problemas eram camuflados por um nível cambial favorável às exportações, por uma fragilidade externa que tínhamos. Havia uma certa tolerância, porque o empresário faturava em dólares e o câmbio era favorável. Isso não é mais possível. Hoje, o câmbio é mais realista. Isso exige compensações para que as empresas sejam competitivas. Então, é preciso dar uma atenção maior para o custo tributário, o custo financeiro e o custo da infra-estrutura.

IMPOSTOS

O sistema tributário tem de cumprir dois objetivos. Um é suprir a arrecadação necessária para os gastos públicos. Outro, o de incentivar a produção. A estrutura tributária brasileira foi moldada olhando mais para o primeiro objetivo, o de suprir o desequilíbrio das contas públicas, a crise fiscal do Estado. Temos de olhar para esse outro objetivo, o de estimular a produção. Isso significa avançar com a segunda parte da reforma tributária, que está no Congresso. Ela vai no sentido de simplificar a estrutura tributária dos Estados, que hoje atrapalha a produção porque é muito diversa e tem componentes de guerra fiscal.

BONDADES

Com a reforma tributária, vamos fazer um programa de redução de alíquotas. Vamos reduzir o peso do tributo para o contribuinte brasileiro, principalmente o investidor. Para ter um crescimento sustentável, de 5% a 6%, só aumentando o investimento, a formação bruta de capital fixo. Para aumentar o investimento, é preciso ter vantagens tributária, financeira e de infra-estrutura. Vamos atacar todas essas frentes. Estamos trabalhando em medidas para quem vai investir na produção, então isso já é uma dica. Certamente, vamos desonerar ainda mais os bens de capital, mas não é só isso.

FREIO NAS DESPESAS

A despesa tem de passar por uma racionalização. Aí, a idéia é implantar o redutor de despesa do gasto corrente. Pensamos em implantar em 2007, depois ficamos em dúvida. Não desistimos por oposição minha, mas a coisa estava confusa: o Orçamento estava sendo discutido, a Lei de Diretrizes Orçamentárias não estava sendo aprovada, estava tudo atrasado e eu não tinha uma visão clara dos parâmetros.

Mas quero implantar a filosofia desse redutor de gastos correntes como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) para vários anos. Quanto, vai depender dos estudos que vamos fazer. O que tinha sido proposto para 2007 era de 0,1% do PIB, o que dá mais ou menos R$ 2 bilhões. Pode ser 0,1%, 0,2%, isso ainda precisa ser estudado.

DÉFICIT ZERO

Pretendemos manter a realização do superávit primário (diferença positiva entre receitas e despesas, exceto gastos com juros) de 4,25% do PIB. Se tivermos a economia crescendo a 5%, o Estado fazendo um superávit primário de 4,25% do PIB e os juros caindo, estaremos caminhando para um déficit nominal zero (diferença negativa entre receitas e todas as despesas do setor público, inclusive juros sobre a dívida pública). Não sei se era exatamente essa a proposta do ex-ministro Delfim Netto, parece-me que ele propunha um aumento do superávit primário também, mas eu diria que caminha naquela direção.

REDUÇÃO DE GASTOS

Como não participei dos debates naquela época (em que a proposta do programa de déficit zero foi apresentada, em junho de 2005), não sei o que a ministra Dilma (ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff) defendeu. Isso que estou falando agora será esmiuçado no governo nos próximos meses. A junta de execução orçamentária e o presidente da República entraram em acordo que temos de reduzir o gasto corrente, e que isso tem de ser feito nos próximos anos. Isso não foi possível implantar em 2006. Talvez ao longo de 2007, mas com certeza a partir de 2008. Há consenso dentro do governo e o presidente está de acordo.

COMBATE À BUROCRACIA

Queremos desburocratizar o Estado de forma geral. Simplificar operações, como embarque e desembarque de mercadorias. Estamos caminhando para uma aduana mais ágil. Já falei para o Rachid (secretário da Receita Federal, Jorge Rachid): ¿Olha, quero uma aduana 24 horas. Não pode parar¿. A Receita está avançando, só que o volume de comércio brasileiro é muito grande e ele vai crescendo de maneira exponencial. Então, tem de correr atrás e ser cada vez mais ágil.

BANCO MUNDIAL

Hoje dizem que para abrir uma empresa no Brasil o proprietário precisa de 150 dias. Isso é um folclore do Banco Mundial, aquelas generalizações absurdas que não refletem a realidade. Na verdade, são 150 dias para abrir uma empresa complexa, talvez para implantar uma hidrelétrica. Mas, quando se trata de uma empresa média, normal, da área de serviços ou fabril, não precisa de tudo isso. Se os proprietários estão em ordem com os impostos e têm certidão negativa de débitos, leva-se de 3 a 15 dias para abrir uma firma. Queremos chegar ao recorde de fazer em 24 horas a abertura de uma empresa no Brasil.

INFRA-ESTRUTURA

Temos de ampliar a oferta de infra-estrutura, baratear os custos de energia e de logística de transportes. Isso está sendo feito. O BNDES anunciou linhas de financiamento para o setor elétrico esta semana, estão sendo criados fundos de infra-estrutura, a Abdib (Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base) está propondo um fundo, a PPP (Parceria Público-Privada) demorou, mas finalmente está em condições de funcionar.

À medida em que reduzimos os gastos correntes, haverá espaço maior para investimentos do Estado, que hoje estão baixos, na casa de 2% se computados os investimentos das empresas estatais. Mas o principal agente dos investimentos tem de ser o setor privado. Cabe ao Estado criar condições para que eles ocorram. As desonerações poderão envolver infra-estrutura. Energia elétrica, por exemplo, que tem uma carga tributária forte, principalmente a estadual. Nossa energia deveria ser barata, somos privilegiados em termos de energia.

MEIO AMBIENTE

Temos de acabar com o gargalo da questão ambiental. Queremos que os recursos sejam renováveis, porém, não queremos que a questão ambiental seja um obstáculo para o crescimento econômico. Se tem de fazer uma hidrelétrica, tem de fazer a hidrelétrica. Então, temos de rever a legislação de meio ambiente, de forma a eliminar o conflito de atribuições e competências. Hoje, temos competências federal, estadual, do Ministério Público, todo mundo mete o bedelho. A idéia é dar todas as atribuições a apenas um órgão ou, então, criar conselhos e sintonizar os órgãos. No fundo, ninguém tem interesse em criar obstáculos. No entanto, eles existem.

TCU

É preciso definir melhor as atribuições do Tribunal de Contas da União (TCU). O TCU muitas vezes ultrapassa a sua competência. Por exemplo, na questão das concessões rodoviárias. Há quatro anos estamos lutamos para implantar uma concessão rodoviária e não conseguimos. O programa esbarra no TCU.

AGÊNCIAS REGULADORAS

As agências reguladoras foram criadas meio apressadamente no governo anterior, então, ficou uma certa confusão das competências, da responsabilidade das atribuições. Não se sabia se eram agências de regulação e fiscalização ou se elas deveriam definir estratégias para o setor. Ao mesmo tempo, as agências não tinham pessoal nem orçamento.

Estamos procurando dar mais orçamento para as agências, permitimos concursos. Ao contrário do que se fala, nós julgamos importantes as agências reguladoras, nós as estamos fortalecendo.

CENÁRIO EXTERNO

O Brasil está menos suscetível ao cenário externo, porque hoje somos credores (em dólares) e não devedores. Mudou completamente nossa posição. Eu sou otimista em relação ao mercado externo, não acho que vá ter nenhuma catástrofe, hard landing (pouso brusco) ou coisa parecida. Acho que pode haver alguma desaceleração da economia americana, mas algo suave, isso que já estamos vendo aí, passar de 4,5% para 3%.

Em compensação, a economia européia está mais dinâmica, a economia japonesa está crescendo. Então, há uma compensação. E os países asiáticos que hoje em dia são considerados a locomotiva do crescimento vão muito bem, obrigado. Não vejo nuvens cinzas no cenário internacional. Alguma desaceleração poderá haver, mas o Brasil é um país competitivo no cenário internacional e o que pode haver é que, em vez de as exportações crescerem a 15%, cresçam a 10%. Importante é crescer.