Título: Óvulo é moeda em clínica de fertilização
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2006, Vida&, p. A16

Uma mulher jovem produz óvulos, mas não tem dinheiro para pagar o tratamento que precisa para engravidar. Outra, mais velha e com uma boa condição financeira, não tem óvulos. O que tem acontecido em muitas clínicas de medicina reprodutiva é o encontro dos dois casos: a primeira doa seus óvulos para a segunda e, em troca, faz o tratamento de graça ou com grandes descontos. A prática, chamada de doação compartilhada ou ovodoação, tem sido questionada por envolver questões éticas, legais e até comerciais.

Parte dos médicos a condena. Outros grupos a defendem. Alguns se recusam a dizer se a fazem. Porém, todos concordam que falta discussão e sociedades médicas têm proposto debates e mais clareza sobre o tema. Na prática, a troca é apresentada pelas clínicas como solução para a falta de óvulos, cada vez mais procurados por mulheres que adiaram a gravidez.

A mulher que vai doar o óvulo passa por um check-up , apresenta seu histórico de doenças familiares e várias imagens de quando era criança. A clínica a cadastra num banco de dados e procura uma mulher que precisa receber óvulos e que tenha características físicas parecidas - etnia, tipo de traços, cor de pele, de olhos, de cabelo, altura, peso. As fotos são usadas para fazer essa identificação, que em alguns locais inclui ainda um perfil psicológico.

Não é uma troca prevista em lei, tampouco se pode dizer que seja ilegal - já que o País não tem regulamentação específica na área. O único texto que a cita explicitamente é um parecer favorável emitido pelo Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. De acordo com uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), esses procedimentos devem ser feitos no anonimato e sem nenhum caráter ¿lucrativo ou comercial¿.

¿Na ovodoação, todo mundo sai beneficiado. É uma coisa que funciona bem e é a grande maneira de conseguir óvulos¿, afirma o ginecologista Alfonso Massaguero, da Clínica Huntington. ¿Me sinto totalmente ético e moral fazendo o programa. Quem critica oferece qual saída? Há muita demagogia quando se fala nisso.¿

Ele vai além. ¿Temos uma clínica recém-inaugurada no Tatuapé que oferece tratamentos a preço de custo. Queremos expandir isso para todas as faixas sociais e divulgar mais a doação compartilhada¿, diz. Ele admite, também, que o consultório na zona leste ajuda a encontrar doadoras para o programa.

No entanto, a questão pode ser vista por uma maneira bem diferente. Em Minas, a Associação de Ginecologistas e Obstetras divulgou, há dois meses, um comunicado questionando qualquer tipo de comercialização de óvulos. ¿Quando se fala em doação, se pensa que não tem nada em troca, que é espontâneo. Agora, uma mulher dá seus óvulos e ganha o tratamento. Essa relação econômica está quebrando nossa cabeça¿, questiona André Luiz Roquete, do Conselho Regional de Medicina de Minas.