Título: Mais rigor com novos remédios
Autor: Andrew Pollack
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2006, Vida&, p. A19

Na semana passada, um grupo de consultoria federal americano, o Instituto de Medicina, criticou duramente a Food and Drug Administration (FDA), órgão que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos. Disse que o órgão é um cão de guarda fraco incapaz de proteger os consumidores de medicamentos inseguros.

Não é o que pensam executivos, investidores e analistas das empresas farmacêuticas. Muitos deles dizem que há dois anos o FDA reage a um fogo cruzado de críticas por ter ficado mais assertivo em manter novas drogas fora do mercado ou recusar-se a aprovar novos usos para medicamentos existentes.

É o que mostra o Índice de Biotecnologia da Nasdaq, em queda de 14% desde fevereiro - em parte, devido à impressão do mercado de que o FDA se transformou num guardião mais tenaz.

¿O clamor que ocorreu na esteira do caso Vioxx evidentemente afetou a maneira como o FDA enfoca seu trabalho¿, disse Ira Loss, que acompanha o órgão para a Washington Analysis, empresa responsável por monitorar o governo federal para investidores. ¿A agência não hesita em dizer `não¿ ou `enviem mais dados¿.¿

Ira Loss se refere à retirada do mercado, há dois anos, do antiinflamatório Vioxx, produzido pela Merck, por motivos de segurança. Esse episódio incensou críticas contra o FDA e levou a agência a encomendar o relatório emitido na semana passada.

DOIS LADOS

Apesar das críticas do instituto, executivos e analistas da indústria farmacêutica reclamam de atrasos e rejeições por parte do FDA desde o caso Vioxx - o que, segundo eles, mostra uma postura mais dura assumida pelo órgão federal.

No começo do mês, por exemplo, a Genentech anunciou que a aprovação do seu medicamento para câncer do cólon, o Avastin, com indicação para tratamento de câncer de mama será protelada em um ano porque o FDA pediu mais informações. Segundo a Genentech, a agência parece adotar requisitos mais rigorosos para determinados tipos de testes clínicos.

Além disso, alguns medicamentos que obtiveram aprovação na Europa só receberam o rótulo de ¿aprovável¿ do FDA, e não serão liberados para o mercado sem mais informações. Entre esses medicamentos estão o Acomplia, da Sanofi-Aventis, para obesidade; o Preos, da NPS Pharmaceuticals, para osteoporose; e o Thelin, da Encysive Pharmaceuticals, para hipertensão pulmonar. A agência também tem postergado com freqüência decisões por 90 dias, seja por precaução ou por falta de mão-de-obra.

As queixas da indústria farmacêutica são apenas ¿uma grande choradeira¿, afirma Sidney Wolfe, chefe de pesquisa sobre saúde na entidade de vigilância Public Citizen. Para ele, as empresas procuram um bode expiatório para o fracasso da indústria farmacêutica em desenvolver melhores medicamentos.

Mas as estatísticas do próprio FDA mostram indícios de um posicionamento mais cauteloso, pelo menos no que se refere a novos medicamentos que não representem grandes avanços em relação aos já disponíveis nas prateleiras.

Até agora, apenas 1 dos 14 medicamentos submetidos à aprovação da agência no exercício fiscal de 2005 foi aprovado na primeira tentativa. Este é o mais baixo índice de aprovação em pelo menos uma década.

A principal categoria na qual o FDA não mostra sinais de desaceleração nos seus índices de aprovação é para novos medicamentos que merecem prioridade na análise, como as drogas contra o câncer Sutent, da Pfizer, e Sprycel, da Bristol-Myers Squibb. Ambas foram aprovadas dentro de um prazo de análise de seis meses.

MESMA MOEDA

Um dos motivos para o que parece ser uma discrepância entre as impressões dos críticos do órgão e a experiência da indústria farmacêutica pode ser que, até certo ponto, eles estejam examinando coisas diferentes. O relatório do Instituto de Medicina, assim como os projetos de lei que estão no Congresso americano destinados a reformular o FDA, focalizam principalmente as falhas no monitoramento das drogas já existentes no mercado, e não no processo inicial de aprovação.

De fato, o relatório do Instituto de Medicina indica que a agência dedicou uma boa parte de seus recursos para examinar as aplicações dos novos medicamentos e não dedicou recursos suficientes para acompanhar a segurança após a aprovação. Mas o relatório também critica o processo de aprovação por enfatizar a rapidez em detrimento da segurança.

Bruce Psaty, professor de Medicina e Epidemiologia na Universidade de Washington, e um dos autores do relatório, admitiu que o documento não registra as mudanças ocorridas no FDA nos últimos meses, dado o período determinado para análise.

É difícil julgar se a agência realmente ficou mais cautelosa. Os dados sobre os quais baseia suas decisões geralmente não são divulgados ao público e ela não costuma discutir medicamentos sob análise. Isso significa que muitas das informações sobre o procedimento do FDA são passadas pelas empresas farmacêuticas. O órgão, que não indicou ninguém para ser entrevistado, nega que tenha havido uma mudança. O mesmo acontece com alguns de seus críticos.

RECEIO

Mesmo que não tenha havido alterações nos procedimentos oficiais, pessoas familiarizadas com o FDA dizem que os analistas de medicamentos da agência ficaram preocupados com o fato de que possam ser levados perante o Congresso se aprovarem uma droga que, mais tarde, venha a se descobrir que é insegura. A falta de um diretor permanente no FDA no último ano, somada às graves restrições orçamentárias, também são citadas como fatores que explicam atrasos e rejeições para aplicações de drogas.

¿Converso com os analistas e vejo que eles estão muito preocupados com o fato de que suas decisões possam se voltar contra eles¿, disse Lee Simon, um ex-chefe de divisão do FDA que agora é consultor da indústria.