Título: Para Lembo, eleição presidencial foi um processo 'esquizofrênico'
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/10/2006, Especial, p. H8

À frente do Palácio dos Bandeirantes até a posse do tucano José Serra, Cláudio Lembo ocupa um cargo executivo que seu partido, o PFL, nem sonha possuir até 2010 - a partir de 2007, a posição estadual mais importante da legenda será o governo do Distrito Federal, que o ex-tucano e hoje pefelista José Roberto Arruda capturou no primeiro turno.

Para Lembo, em 2006 as oligarquias do PFL foram vencidas pelo darwinismo eleitoral. 'Já tínhamos vivido o fim do ciclo político do regime militar. Agora vivemos o fim do ciclo biológico,' diz o governador, referindo-se às derrotas do senador Antonio Carlos Magalhães na Bahia e dos aliados do senador Marco Maciel em Pernambuco, ao desaparecimento dos Bornhausen da política de Santa Catarina e à derrota de Roseana Sarney no Maranhão.

Capaz de afirmações que ora parecem puro espetáculo para a mídia, ora contêm convites à reflexão, Cláudio Lembo é um crítico duro da campanha presidencial. Diz que foi um processo 'esquizofrênico, onde ninguém discutiu o principal: a segurança urbana'.

Depois dos ataque do PCC em São Paulo, Lembo foi alvo de pressões do governo para pedir ajuda de tropas do Exército, que repeliu, oferecendo-se para assinar um decreto de Estado de Defesa, que poderia suspender liberdades individuais e até a eleição. A oferta fez Brasília desistir de qualquer iniciativa nesse terreno. O governador recorda: 'Todo mundo falava que a segurança era o problema principal. Quando a campanha começou, não se falou mais no assunto.'

Interlocutor de empresários e políticos que passaram os últimos meses falando que um segundo mandato de Lula seria uma catástrofe para o País, Lembo acha que se fez muito barulho por nada. 'Lula tem a visão de um pequeno burguês. É apenas um sobrevivente do povo brasileiro. Não vejo riscos em seu governo. '

O governador diz que não ficou surpreso com a vitória de Lula, mas apenas com a realização de um segundo turno. 'Nem pensava que o Geraldo Alckmin fosse capaz disso.' Examinando o segundo mandato de Lula, ele considera que não faltarão empresários dispostos a integrar o ministério, caso sejam convidados. 'A burguesia sempre faz o que é útil para sua preservação. Por isso não perde uma desde 1789', comenta. A entrevista:

Como o senhor viu as derrotas do PFL em Estados importantes, como Bahia, Pernambuco...

Acho que estamos vendo o fim do ciclo biológico das oligarquias nascidas com o regime militar. Já tínhamos vivido o fim político, com a democratização. Agora estamos no fim biológico.

Como assim?

O regime militar era um poder centralizado, que distribuía benesses para seus amigos nos Estados, sempre que tinha interesse. Como não havia Estado de Direito, nem a necessidade de respeito à lei, valia o que o regime queria: atender amigos e aliados locais, sem dar satisfação. Foi assim que essas oligarquias surgiram e se consolidaram. Agora, estão exauridas. É o que se vê na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão. Em Santa Catarina os Bornhausen (o senador Jorge Bornhausen é presidente do PFL)foram esmagados. Acho até que talvez tenha acabado a dinastia Tasso Jereissati (PSDB) no Ceará, uma das primeiras depois do regime militar. Meu temor é que esteja nascendo uma nova, da família do Ciro Gomes (PSB).

O que está acontecendo?

As oligarquias não vão desaparecer totalmente. Mas terão de se formar pelo voto, como está fazendo Blairo Maggi em Mato Grosso. Seu processo de formação sempre será mais lento e controlado. Num regime democrático, as leis precisam ser cumpridas em todo o seu ritual. Normais legais e normas burocráticas devem ser obedecidas. Assim, a distribuição de prêmios e favores demora mais. O ciclo se renova, mas não é o mesmo.

O eleitor mudou?

O eleitor também pratica o seu darwinismo. Ficou mais racional. Após cinco anos de eleições livres, conhece os candidatos, sabe o que eles representam. Assim, sobrevivem os mais aptos.

O senhor acha que o PT pode fundar uma oligarquia?

Não acredito. É um partido muito pulverizado e dividido. Não tem uma fidelidade.

E o Lula?

O Lula pode ir para uma política populista, mas espero que ele resista.

Como o senhor avalia o resultado da eleição presidencial?

Não fiquei surpreso com o resultado. O mundo vive uma onda pelo social. Até o Prêmio Nobel foi para um economista que melhora a renda dos mais pobres. Se você quer um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) precisa ter uma cláusula social. Os bancos privados e as grandes empresas também falam em responsabilidade social. Então sempre me pareceu óbvio que, no Brasil, seria eleito o candidato que representa essa onda, o Lula.

Mas é assim tão simples?

É. São Paulo tem 2.979 favelas. Essa gente sofre e precisa desabafar. Você acha que eles iriam votar em quem?

E o resultado de Geraldo Alckmin nesta eleição?

Acho que ele foi muito bem. Eu nem imaginava que fosse chegar ao segundo turno. Também venceu a eleição em sete Estados, enquanto em 2002 o José Serra ganhou em apenas um. O Geraldo chegou até onde chegou por méritos próprios. Não teve ajuda de ninguém. Nem minha.

O senhor não viu nada de errado na campanha dele?

Ele era o bom moço que toda sogra queria como genro. Mas depois daquele debate (o primeiro com Lula, na TV Bandeirantes), em que foi muito agressivo, virou um genro como outro qualquer. Minha impressão é que, num determinado momento, Geraldo não sabia mais o que era.

O senhor acha que um segundo governo do presidente Lula pode ser um risco para o País?

Você sabe que muitos empresários vivem pedindo para eu dizer isso. Eles queriam criar esse clima. A classe média está assustada, com medo dos movimentos sociais. Mas eu acho que não vai acontecer nada sério, nada para ficar preocupado. Lula não tem nenhum projeto radical de mudança. É um sobrevivente do povo brasileiro. Lula é a busca da raiz. Por isso tem tantos votos.

O senhor acha que, num segundo mandato, Lula pode tentar se tornar um segundo Hugo Chávez?

Lula não tem tendência a ditador. É um operário de chão de fábrica, conhece a vida de verdade. É um pequeno burguês, apenas isso. O Brasil não tem petróleo, como a Venezuela. O Chávez é um pára-quedista. Enquanto o Lula prefere a terra firme, ele se joga lá do céu.

Não deu para entender muito bem essa relação...

Durante a sucessão do Ernesto Geisel, ainda no regime militar, surgiu um boato de que o general Hugo Abreu iria ser o próximo presidente. Fui conversar com o general Golbery do Couto e Silva para saber se era verdade. Ele disse: 'E desde quando pára-quedista pode ser presidente da República? Estão sempre nas nuvens.'

Mas muitos empresários têm feito críticas a Lula, num comportamento de oposição a um segundo governo...

Acho que não podemos esquecer o poder da caneta de nossos palácios. Aqui a caneta resolve tudo. Tem uma força atrativa incrível.

O senhor acha que Lula pode enfrentar problemas para montar um ministério? Pessoas ligadas a empresários podem recusar convite?

De jeito nenhum. A burguesia toda vai para o governo, se o Lula convidar. A burguesia faz tudo, desde que seja para sua preservação. Por isso é que sempre acaba vitoriosa. Não perde uma desde 1789. E quando perde, logo se recupera.

Como foram suas relações com o presidente Lula?

Ele se mostrou um amigo. Sempre fez questão de minha presença a seu lado, em cerimônias onde poderia ter me esquecido. Isso me deixaria numa posição ruim, como um governador sem relação com o presidente. Depois dos ataques do PCC isso poderia me prejudicar. Mas ele me respeitou. Fazia questão que estivesse a seu lado quando passava tropas em revista. Isso é importante.

Em 2007 nós teremos três mulheres em governos de Estado. Como o senhor vê isso?

Acho ótimo. E estou feliz porque elas conseguiram isso no plano estadual, numa luta individual, onde mostraram muita garra. Foi tudo por iniciativa delas. Não precisaram das cotas, aquela idéia da (ex-prefeita) Marta Suplicy que eu acho totalmente errada. O que valeu foi a cultura.

Cultura?

O Rio Grande do Sul é a terra de Anita Garibaldi. No Pará, você tinha a tradição de mulheres guerreiras, as amazonas, que deram muita surra nos portugueses.

A sucessão presidencial não discutiu o tema de segurança. Como o senhor vê isso?

Como um processo esquizofrênico. Todo mundo sabe que a segurança urbana é um problema gravíssimo. Todo mundo falava sobre o assunto. Mas quando começou a campanha, ninguém falou mais nada. Nem o Lula nem o Geraldo. Ninguém tocou no assunto. Faltou coragem. Enquanto for assim, a segurança seguirá um problema cada vez maior.

Se perguntassem ao senhor como está a segurança em São Paulo, o que se poderia dizer?

Que está melhor. Não diria que não espero novos ataques do PCC, porque ninguém pode dizer isso. Seria irresponsável. Mas a situação está mais controlada. Temos uma colaboração em várias instâncias. De uma forma ou de outra, 94 instâncias administrativas da União e do Estado estão cooperando.