Título: Bomba de Kim dá poder de fogo a Exército obsoleto
Autor: Donald Greenlees
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2006, Internacional, p. A17

As Forças Armadas da Coréia do Norte são, de longe, as maiores consumidoras dos escassos recursos do país. Mesmo assim, seus pilotos de combate só fazem cerca de duas horas de vôo por mês, seus soldados às vezes precisam cultivar a própria comida e grande parte de seu equipamento é velho e superado pelo de seus vizinhos. Segundo especialistas sul-coreanos e ocidentais, se uma guerra convencional irromper na Península Coreana, o máximo que as forças norte-coreanas poderão fazer é lutar até atingir um impasse sangrento.

Especialistas dizem que foi a profunda insegurança resultante dessas deficiências, e não qualquer desejo de atrair atenção ou obter vantagem, que motivou a decisão do presidente Kim Jong-il de ignorar as advertências internacionais e anunciar nesta semana que seu país testou uma arma nuclear.

'Acredito que a Coréia do Norte busca um fator de dissuasão efetivo contra os EUA no caso de uma guerra na Península Coreana', disse Park Yong Ok, general da reserva do Exército sul-coreano que serviu como vice-ministro da Defesa no fim dos anos 90. 'Kim Jong-il quer ter uma arma nuclear à mão. Não é moeda de troca.'

Embora o Norte possua um Exército ativo de mais de 1 milhão de soldados - número imenso para um país de 23 milhões de habitantes -, os equipamentos pobres e antiquados e as enormes dificuldades para manter a prontidão de combate significam que ele tem menos poder de fogo que as tropas sul-coreanas e americanas, menos numerosas, estacionadas no Sul.

Até agora, o principal fator de dissuasão norte-coreano eram as 8 mil peças de artilharia e os 2 mil tanques posicionados perto da zona desmilitarizada que separa o Norte e o Sul. Muitos dos canhões têm alcance suficiente para atingir Seul, cidade de 10,3 milhões de habitantes, e podem disparar projéteis químicos.

Mas funcionários militares e analistas entrevistados ontem afirmaram que a Coréia do Norte acompanhou atentamente conflitos em outras partes do mundo, especialmente as invasões do Iraque em 1991 e 2003, e percebeu que grandes quantidades de tanques e artilharia podem ser neutralizadas com facilidade pela tecnologia militar superior dos EUA. Por isso, metodicamente, mas com ansiedade crescente, o regime comunista buscou um novo trunfo para manter o impasse de segurança na península.

'É um Exército grande, mas o equipamento é velho', disse um adido militar ocidental em Seul que não quis ser identificado. 'Acho que seu calibre não é mais tão alto. Kim precisa procurar outros meios de proteção.' Para o adido, é improvável que Kim agora tente usar suas armas nucleares como moeda de troca. 'Ele poderia negociar, mas não para abrir mão dessa capacidade', afirmou. 'É sua garantia de segurança.'

Para muitos observadores, a busca de armas nucleares pela Coréia do Norte, desafiando a opinião global, é irracional, pois isola ainda mais o país e atrai pressão crescente sobre o regime. Mas Michael Breen, autor de Kim Jong-il: North Korea's Dear Leader (Kim Jong-il: O Querido Líder da Coréia do Norte), de 2004, disse ser um erro considerar o programa nuclear do Norte uma manobra de barganha de um ditador excêntrico. 'Ele não está tentando fazer os estrangeiros dançarem conforme sua música', afirmou Breen. 'Em muitos aspectos, os estrangeiros são irrelevantes. Ele concluiu há muitos anos que não tem amigos e precisa de uma arma nuclear para sobreviver.'

Kim também reconhece, segundo Breen, que a Coréia do Norte ficou para trás no poderio convencional e que a política de seu país de dar prioridade máxima aos militares exauriu os recursos nacionais. 'Armas nucleares são atraentes economicamente' se comparadas ao custo de armar e treinar um Exército imenso, disse Breen.

Ainda assim, o teste que a Coréia do Norte diz ter realizado segunda-feira é apenas um passo no caminho para a conquista da dissuasão nuclear no campo de batalha. Além de fabricar um dispositivo viável e detoná-lo num teste, o país tem pela frente o considerável desafio técnico de torná-lo pequeno o bastante para caber numa ogiva de míssil, bomba aérea ou projétil de artilharia, a fim de ser usado contra um inimigo.

O consenso entre os analistas é que os norte-coreanos ainda não chegaram a esse estágio. 'Eles precisam reduzir o tamanho da arma nuclear', disse Park. 'Mas acredito que é apenas questão de tempo eles conseguirem a tecnologia para instalar uma ogiva nuclear num míssil.'

A Coréia do Norte possui uma variedade de mísseis de curto e médio alcance capazes de ameaçar a região próxima, incluindo o Japão, mas aparentemente eles ainda não podem atingir alvos a distâncias superiores a algumas centenas de quilômetros. Um teste do míssil de alcance mais longo já produzido, o Taepodong-2, fracassou em julho, quando o veículo explodiu logo depois do lançamento. Em teoria, o Taepodong-2 teria alcance de 15 mil quilômetros, o suficiente para atingir a Costa Oeste dos EUA.

Mesmo assim, segundo Park, o aparente progresso da Coréia do Norte em relação à bomba e aos sistemas de lançamento deveria levar o governo do presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun, a reconsiderar sua recente política de buscar maior autonomia militar dentro da aliança de seu país com os EUA.

A Coréia do Sul, disse Park, não pode pensar em promover seu próprio programa de armas nucleares e, por isso, 'a questão agora é como tornar a aliança tão forte quanto era no passado'.