Título: Cai a representatividade dos deputados
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

Em artigo anterior (Sistema eleitoral mostra seus erros, 5/10), vimos que os resultados das eleições de deputados federais evidenciaram distorções do sistema pelo qual se elegem, como as derivadas do voto proporcional e a menor representatividade eleitoral dos cidadãos das unidades federativas mais populosas do País.

Prosseguindo a análise dos resultados das eleições para deputados, as de 2006 foram marcadas por forte crescimento da insatisfação do eleitor, revelado por acentuada expansão dos votos nulos e em branco, relativamente às eleições de 2002. Isso tanto no caso dos deputados federais como dos estaduais (incluindo nestes os distritais de Brasília). Como resultado, o conjunto dos eleitos teve diminuída a sua condição de representantes do povo, já prejudicada por vícios eleitorais como os apontados no artigo inicialmente citado.

Assim, dados do Tribunal Superior Eleitoral (www.tse.gov.br) revelam que nacionalmente a proporção de votos em branco para deputado federal passou de 4,7% dos votantes em 2002 para 6,3% em 2006, um aumento de 34%. Esse aumento foi bem maior nos votos nulos, que passaram de 3% em 2002 para 4,8% em 2006, uma ampliação de 60%.

Como o eleitorado é muito grande e continua crescendo, os números absolutos impressionam pela dimensão. Assim, em 2006 no total houve 11,6 milhões de votos em branco e nulos para deputado federal e 11,4 milhões para deputados estaduais. No caso dos federais, levando também em conta que 20,4 milhões de eleitores não compareceram às urnas, os eleitos o foram por 72,2% dos eleitores aptos a votar.

Quanto aos deputados estaduais, os números da participação de votos em branco e nulos são semelhantes aos dos federais. Assim, no total nacional a participação de votos em branco passou de 4,7% para 6% (um aumento de 27,7%), enquanto a de nulos subiu de 3% para 4,9% (um crescimento de 63%).

O que levou a esses resultados? Uma hipótese sugerida pelo professor Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), citada em reportagem da Folha de S.Paulo (16/10), aponta o efeito de mudanças nas regras eleitorais, com a proibição de outdoors e camisetas, com efeito maior sobre as campanhas proporcionais, as quais têm menor cobertura da mídia do que as voltadas para o Executivo. Ou seja, a campanha nas ruas, bem menor nas eleições deste ano, teria levado a um crescimento dos votos em branco e nulos.

Essa hipótese, entretanto, não resiste à análise dos dados por unidades federativas, pois a dificuldade de divulgação dos candidatos pelas formas citadas esteve presente em todas elas, e os votos nulos e em branco cresceram mais em umas do que em outras, chegando até mesmo a cair em alguns casos.

Assim, restringindo a análise aos deputados federais e aos votos nulos, a proporção deles caiu no Acre, no Ceará e no Tocantins. E o que é mais importante: entre as dez unidades federativas onde houve maior aumento de votos nulos, sete estão entre aquelas onde o acesso à informação por outros meios que não a campanha de rua é maior, e também abrigam populações com maiores níveis de escolarização e de renda. Entre essas sete estão as três com maior contingente eleitoral (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro). E mais: entre estas últimas estão as duas onde o aumento dos votos nulos foi maior: Rio de Janeiro (127,2%) e São Paulo (108,3%).

Assim, o fator mais importante na decisão de votar nulo foi a insatisfação com o desempenho dos deputados federais. E seria surpreendente se isso não ocorresse, pois a legislatura que se encerra foi particularmente marcada por escândalos, como o dos ¿mensaleiros¿ e o das ¿sanguessugas¿. A mídia foi inundada por um noticiário que envolveu desde depoimentos constrangedores nas comissões parlamentares de inquérito até ocorrências policiais e umas poucas perdas de mandato, destas últimas se difundindo a sensação, frustrante para o eleitor, de pizzas no fim da história.

Como reação aos escândalos e às pizzas, houve também vários movimentos, inclusive pela internet, de pregação do voto nulo nas eleições para deputado. Também aderimos a esse voto, não pelos escândalos em si, mas por atribuirmos boa parte deles - e também a ausência de maiores punições, inclusive pelo voto - ao sistema proporcional de eleição, em que praticamente não existe o vínculo entre o cidadão e o ¿seu¿ deputado, com este não prestando contas de seu mandato e aquele deixando de cobrar desempenho. Daí, entre outras razões, a nossa insistente defesa do voto distrital, pelo qual esse vínculo é muitíssimo maior.

Nessa linha, nossa pregação do voto nulo teve como objetivo reduzir a representatividade dos eleitos, pressionando-os a uma mudança na direção do voto distrital. Quanto a isso, ainda que longe de suficiente para causar uma comoção, o avanço dos votos nulos foi significativo.

Nota-se também que as distorções do sistema proporcional estão cada vez mais evidentes, a ponto de o candidato a presidente Geraldo Alckmin incluir o sistema distrital em sua proposta de governo. E mais: reportagem deste jornal no dia 15 mostrou que parlamentares influentes, como Arnaldo Madeira (PSDB-SP) e Rodrigo Maia (PFL-RJ), desenvolvem articulações para levar adiante a proposta do voto distrital.

É uma tarefa sabidamente difícil, mas esses sinais que vieram de eleitores e de lideranças políticas são encorajadores para quem defende a idéia, cuja prática é indispensável para melhorar sensivelmente a hoje lamentável representação do povo no Legislativo brasileiro.