Título: Não nos cabe julgar judas, diz o papa
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2006, Vida&, p. A22

Os católicos que se divertem com a malhação do Judas, tradição folclórica do Sábado da Aleluia, deverão pesar o sentido dessa brincadeira, depois de ler o que Bento XVI disse ontem sobre o apóstolo que entregou Jesus à morte a troco de 30 moedas. ¿Embora ele (Judas) se tenha enforcado, não cabe a nós julgar o seu gesto, sobrepondo-nos a Deus infinitamente misericordioso e justo¿, advertiu o papa na audiência geral das quartas-feiras, falando a cerca de 30 mil pessoas na Praça de São Pedro.

Bento XVI classificou como um mistério o fato de Jesus haver incluído Judas Iscariotes entre os seus discípulos, sabendo que ele iria traí-lo, e outro mistério a sua sorte eterna, quando se sabe que ele se arrependeu e devolveu as 30 moedas de prata aos sumos sacerdotes e anciãos, dizendo ¿eu entreguei sangue inocente¿. O papa disse que, após haver falado dos outros apóstolos nas audiências anteriores, não poderia deixar de mencionar ¿aquele que é sempre citado em último lugar na lista dos 12¿.

Não se trata, certamente, de uma reabilitação de Judas, mas de uma análise sob nova perspectiva de seu perfil e das razões que o levaram à traição. A começar pelo sentido dessa palavra, embora os evangelistas se refiram a Judas como aquele que ia trair Jesus. ¿O verbo trair é a versão de uma palavra grega que significa entregar¿, observou o papa, acrescentando que nesse sentido ¿em seu misterioso projeto de salvação, Deus assume o gesto indesculpável de Judas como ocasião do dom total do Filho pela salvação do mundo¿.

Ao explicar a origem do sobrenome Iscariotes, o papa admite que possa ser uma variação hebraica de sicário, ¿alusão a um guerrilheiro armado de punhal, sica em latim¿. Essa explicação confirmaria a hipótese de que Judas pertencia a um grupo de resistência a Roma e resolveu entregar Jesus a seus inimigos porque ficou decepcionado ao ver que ele não lutaria pela libertação do povo judeu, mas pregar o estabelecimento do Reino de Deus.