Título: A Coréia explode a bomba
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2006, Notas e Informações, p. A3

Foram inúteis os apelos e as pressões que, nos últimos meses, partiam de todos os lados: a Coréia do Norte realizou, no final da noite de domingo, horário de Brasília, um teste nuclear subterrâneo. Na terça-feira, o governo norte-coreano havia anunciado que faria o teste, sem precisar a data, alegando que ¿as ameaças extremas dos Estados Unidos, de desencadear uma guerra nuclear, as sanções e as pressões compelem a República Popular e Democrática da Coréia a conduzir um teste nuclear, processo essencial para impulsionar o seu dissuasor nuclear e as medidas de autodefesa¿.

Há mais de um ano estavam interrompidas as conversações entre o Grupo dos Seis (Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha, França e Alemanha) e a Coréia do Norte, iniciadas em 2003 e destinadas a convencer Pyongyang a abandonar o seu programa nuclear em troca de assistência energética, alimentar e financeira. Em fevereiro do ano passado, as negociações chegaram a um impasse e a Coréia do Norte anunciou oficialmente, pela primeira vez, que possuía armas nucleares ¿ o que era um segredo de polichinelo. Em julho passado, a Coréia do Norte fez sete testes com mísseis no Mar do Japão. Diante desses precedentes, quando anunciou que faria testes nucleares, a comunidade internacional entendeu que esse passo decisivo seria dado nos próximos dias, provavelmente coincidindo com o aniversário do ditador Kim Jong-il ¿ o que acabou ocorrendo.

Dias antes, o Conselho de Segurança da ONU, por unanimidade, havia advertido a Coréia do Norte para não detonar um artefato nuclear, sob pena de aplicação de sanções que não foram especificadas. O ex-secretário de Estado James Baker aconselhou publicamente o presidente Bush a iniciar negociações diretas e bilaterais com a Coréia do Norte ¿ uma das exigências de Pyongyang para voltar a discutir o seu programa nuclear ¿, argumentando que há momentos em que é preciso conversar com o inimigo. E, num esforço de última hora, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, encontrou-se em Pequim com o presidente Hu Jintao. Ao final do encontro ¿ o primeiro entre chefes de governo dos dois países em cinco anos ¿, ambos declararam que o plano norte-coreano de detonar a bomba ¿não pode ser tolerado¿, e instaram a Coréia do Norte a voltar ¿incondicionalmente¿ à mesa de negociações.

Mas já era tarde. Kim Jong-il estava decidido a levar às últimas conseqüências o seu desafio à comunidade internacional.

Houve época em que o governo da Coréia do Norte podia contar com a benevolência de alguns países, que tiravam proveito direto ou indireto de suas políticas de desafios irresponsáveis. A China, por exemplo, usava o seu antigo aliado ¿ evitando que o Conselho de Segurança impusesse sérias sanções a Pyongyang ¿ para minar a política norte-americana na Ásia e manter o Japão em constante estado de inquietação quanto ao futuro. A França, por sua vez, contemporizou com a Coréia do Norte sempre que viu nisso uma maneira de deixar em xeque a hegemonia global, política e militar dos Estados Unidos.

Agora essa situação mudou. Os desmandos de Kim Jong-il ¿ que herdou o regime comunista de seu pai ¿ foram tantos que até a China se sente ameaçada pela irresponsável aventura nuclear da Coréia do Norte. Resta saber se Pequim está disposta a fazer valer a declaração conjunta com o governo japonês de ¿não tolerar¿ a explosão da bomba coreana.

Calcula-se, pela quantidade de combustível nuclear produzido, que a Coréia do Norte tenha armazenadas entre 4 e 12 bombas atômicas. A China, o Japão e a Coréia do Sul têm razões objetivas para temer essa ameaça nuclear. Os EUA, por enquanto, não estão diretamente ameaçados ¿ embora suas tropas estacionadas no Japão e na Península Coreana estejam ¿, porque os foguetes norte-coreanos, se têm alcance para atingir a costa oeste, não têm capacidade para transportar ogivas rudimentares. Mas é uma questão de tempo a Coréia do Norte fazer ogivas transportáveis por foguetes. Kim Jong-il já demonstrou que, para fazer de seu país uma potência nuclear, condena sem hesitação o seu povo à pobreza extrema e à fome endêmica. A comunidade internacional precisa pôr um fim a essa loucura.