Título: País persegue a bomba há décadas
Autor: David E. Sanger
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2006, Internacional, p. A18

O teste nuclear anunciado pela Coréia do Norte é fruto de quase quatro décadas de trabalho de um dos países mais pobres e isolados do mundo. A nação, com 23 milhões de habitantes, parece temer perpetuamente que seus vizinhos ricos e poderosos, em especial os EUA, tentem derrubar seu governo.

O fundador Kim Il-sung, morto em 1994, saiu da Guerra da Coréia (1950-53) decidido a rivalizar com o poder americano. E sabia perfeitamente que o general Douglas MacArthur (1880-1964) queria armas nucleares para usar contra o país.

Mas os norte-coreanos levaram décadas para obter a tecnologia. E só nos últimos anos é que, aparentemente, tomaram a decisão política de acelerar o programa. 'Creio que eles mantinham o plano militar para mostrar que ninguém podia mexer com eles e que não seriam dissuadidos por ninguém, nem mesmo pelos chineses', afirmou no domingo à noite um alto funcionário americano envolvido em negociações com o país.

O teste também é resultado de mais de duas décadas de fracassos diplomáticos que abarcam pelo menos três presidências americanas. Satélites dos EUA mostraram que os norte-coreanos estavam construindo um grande reator nuclear no início dos anos 80. No começo dos 90, a CIA já estimava que o país poderia ter uma ou duas armas nucleares. Mas todos os esforços diplomáticos para congelar o programa nuclear - incluindo um acordo assinado em 1994 com o governo Clinton - acabaram naufragando, em meio a desconfiança e recriminações de ambos os lados. Há três anos, quando Bush enviou tropas ao Iraque, a Coréia do Norte expulsou os poucos inspetores de armas que ainda atuavam no complexo nuclear de Yongbyon.

Durante anos, diplomatas acreditaram que os norte-coreanos jogavam com a ambigüidade em torno de sua capacidade nuclear para tentar obter do Ocidente reconhecimento, garantias de segurança, ajuda e comércio. Mas o líder Kim Jong-il, que herdou o poder do pai, parece ter concluído que o melhor modo de obter o que quer é mostrar que tem a capacidade de revidar se for atacado.

É difícil avaliar tal capacidade. Mas o grande temor em relação à Coréia do Norte, como funcionários americanos advertem há tempos, tem menos a ver com sua capacidade de atacar e mais com sua capacidade de armar outros países. Os norte-coreanos vendem mísseis - um dos poucos produtos de exportação significativos do país - e outras armas ao Irã, à Síria e ao Paquistão; em vários momentos das negociações do Sexteto, nos últimos anos, ameaçaram vender armas nucleares. O temor da proliferação levou Bush a declarar em 2003 que os EUA jamais tolerariam uma Coréia do Norte nuclear.

Um teste nuclear é um passo necessário para comprovar a confiabilidade de uma arma. Philip E. Coyle III, ex-chefe de testes de armas do Pentágono e ex-diretor de testes nucleares de um centro de projeto de armas na Califórnia, afirma que os norte-coreanos poderiam aprender muito com uma detonação, ainda que ela fosse pequena ou não tivesse sucesso absoluto.

'Eu não me surpreenderia se (o teste anunciado) fosse um fiasco e eles o apresentassem como um sucesso por ter aprendido alguma coisa', afirmou Coyle. 'Fazíamos isso às vezes. Há pouco tempo realizamos um teste de defesa antimísseis que fracassou - mas o Pentágono disse que foi um sucesso, pois aprendeu algo. Concordo. Fracassos podem ensinar muito.'