Título: Gordura trans, essa desconhecida dos brasileiros
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2006, Vida&, p. A22

A gordura trans é simplesmente a maior vilã para o coração entre os componentes dos alimentos. O problema, porém, é que o brasileiro ainda não faz a menor idéia do perigo. Em pesquisa com 600 pessoas recém-concluída pelo Hospital do Coração, em São Paulo, só 19% citaram a trans como exemplo de gordura que faz mal à saúde.

Em meio a este clima de indiferença generalizada - não há sequer um dado oficial que mostre a quantidade de trans consumida pela população -, uma portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) baixada em agosto obriga todos os fabricantes a estampar em seus rótulos a quantidade da gordura em suas fórmulas.

Até o fim do ano, os infratores serão notificados, apenas. Mas a partir de janeiro de 2007 terão os produtos apreendidos e a multa, com valor mínimo de R$ 2 mil, poderá chegar a R$ 1,5 milhão.

A gordura trans é muito usada na indústria porque, além de barata, dá crocância, textura e sabor viciante - ela está presente em vários alimentos que não existem na natureza como sorvetes, salgadinhos, bolos, coberturas doces e biscoitos.

São ainda raros no País os casos de produtos que se livraram do componente problemático. Algumas poucas marcas já são vendidas sem a trans, como os biscoitos recheados Trakinas e as margarinas Doriana e Qualy 'trans free'.

BOMBA NO ORGANISMO

A trans é a gordura vegetal hidrogenada. 'É a transformação da gordura vegetal, que é líquida, para o estado sólido', explica o cardiologista Marcus Malachias, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas. 'Apesar da origem ser vegetal, ela não é boa porque essa transformação faz com que ela se torne artificial.'

Para piorar, a trans se comporta no corpo como a saturada, que é a de origem animal. Ou seja, se transforma em colesterol ruim, um dos principais causadores de problemas cardiovasculares.

O fígado, que produz cerca de 70% do colesterol necessário para o funcionamento do organismo, recebe e metaboliza todos os tipos de gordura - que nem sempre é ruim, podendo virar energia e hormônios sexuais, por exemplo.

Mas em algumas pessoas, os receptores responsáveis por esse processo no fígado não são tão ativos. Nesse caso, o órgão deixa de metabolizar e joga a gordura na corrente sanguínea na forma de colesterol ruim - a principal função das estatinas, os remédios para o coração, é justamente estimular esses receptores. Com as gorduras insaturadas, que incluem o azeite, a castanha e os vegetais, isso não ocorre porque elas não se transformam em colesterol ruim.

A trans ainda por cima interfere com os receptores de insulina, atrapalhando a entrada do hormônio nas células.

BRIGA COM RESTAURANTES

A indicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que o consumo diário de gorduras trans não ultrapasse 2 gramas por dia.

Mas só uma porção grande de batatinha frita, por exemplo, tem nada menos que 8 gramas de gordura trans.

Nos Estados Unidos, o cerco ao ingrediente está cada vez mais fechado. Há duas semanas, o Departamento de Saúde dos Estados Unidos informou que quer os restaurantes de Nova York reduzindo a quantidade desse tipo de gordura no cardápio para 0,5g por prato.

Para valer, a recomendação tem ainda que passar por consulta pública. Mas, se passar, a lei começa a valer a partir de julho de 2007. Em Chicago, a Câmara de Vereadores também está pressionando pela proibição.

Os proprietários de restaurantes, evidentemente, estão em polvorosa. Um dono de piz-zaria que usa óleo trans em sua massa disse ao New York Times recentemente que seus custos poderiam aumentar US$ 50 mil por ano se tivesse de usar outro tipo de gordura.

NÚMEROS

600 pessoas foram entrevistadas em supermercados, escolas e hospitais de São Paulo pelo Hospital do Coração num levantamento sobre os tipos de gordura

90% dos entrevistados não conseguiram citar mais do que dois exemplos de gordura boa e de gordura ruim

83% deles citaram o azeite como exemplo de gordura boa

96% citaram a banha de porco como exemplo de gordura que faz mal à saúde

19% lembraram da trans como exemplo de gordura nociva ao organismo

2 gramas é a quantidade diária de gordura trans recomendada pela Organização Mundial da Saúde. Uma porção grande de batata frita, por exemplo, tem 8 gramas