Título: Presidente resgata 'Lulinha paz e amor' para enfrentar 2º turno
Autor: Tânia Monteiro e Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2006, Nacional, p. H2

Um dia depois de ser surpreendido com a necessidade de disputar um segundo turno nas eleições com o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou de comportamento e resolveu conceder a segunda entrevista coletiva em seus quatro anos de mandato. Resgatando o estilo 'Lulinha, paz e amor' da campanha vitoriosa de 2002, distribuiu sorrisos, baixou o tom de enfrentamento com a oposição, recolheu as críticas à imprensa e chegou a defender a exibição das fotos do dinheiro usado por petistas para comprar o dossiê Vedoin. 'Fico pedindo a Deus que não me aconteça nada até desvendar esse mistério', disse Lula. 'O fato concreto é que tinha o dinheiro, tinha as fotografias, que poderiam ter sido mostradas no dia (da apreensão), ou quando bem entendessem.'

No sábado, durante entrevista no salão de festas do prédio em que mora em São Bernardo do Campo, o presidente endossara a teoria conspiratória de setores de seu partido sobre o dossiê Vedoin e criticara o delegado da Polícia Federal que deu publicidade às imagens, acusando-o de ter participado de uma operação com fins políticos. 'Ou ele fez de má-fé ou está mancomunado com alguém' , disse naquela oportunidade.

Ontem a estratégia foi outra. Abriu à tarde o Palácio da Alvorada à imprensa para negar a fama de 'pai dos pobres' e pedir o voto dos ricos, dos radicais do PSOL e até dos seguidores do ex-presidente Fernando Collor - eleito senador por Alagoas. 'Não conheço eleitores de primeira ou segunda categoria.'

Agradeceu os votos recebidos e justificou por que não venceu no primeiro turno, tentando mostrar humildade: 'Não venci porque não venci. Faltou voto. Não tinha eleição ganha', afirmou, garantindo ter confiança em que esses votos 'certamente não vão faltar para ganhar no segundo turno'.

Durante a entrevista, o presidente não arriscou críticas nem mesmo aos que elegeram políticos com histórico de denúncias de irregularidades, como Collor. 'As pessoas que voltaram (ao Congresso) não foram condenadas, tinham o direito de concorrer, de acordo com a lei, concorreram e se elegeram. Não sou eu quem vai questionar o eleitor de ninguém.'

Collor foi merecedor até de um afago. 'O Collor está há 14 anos de castigo, agora o povo de Alagoas resolveu mandar ele de volta para cá', disse, observando que ele o ex-presidente já pagou pelas irregularidades que resultaram no processo de impeachment, em 1992. 'Com a experiência que ele tem de presidente da República, certamente poderá, se quiser, fazer um trabalho excepcional no Senado. Eu não vou dizer que o eleitor de fulano de tal não sabe votar.'

Apesar de criticar a operação dossiê Vedoin, Lula também não quis responsabilizar o PT pelo episódio. 'Não vou culpar o PT porque o PT é muito grande. Não posso condenar a família toda porque um membro cometeu um desatino, porque meia dúzia de pessoas acredita em Papai Noel e fantasia', argumentou. Mas admitiu que a operação dos petistas foi 'um tiro no próprio pé'.

DEBATES

Lula preferiu também não admitir que sua ausência no debate da TV Globo, no primeiro turno, tenha influenciado a perda de votos na reta final. Mas afirmou que agora, no segundo turno, não faltará aos debates. 'Espero que idéias e programas de governo sejam debatidos', declarou.

Ele afastou ainda a possibilidade de se licenciar do cargo para disputar o segundo turno. 'É possível fazer campanha sem deixar o exercício da Presidência', afirmou, avisando que fará viagens de campanha nos fins de semana, bem como aproveitará os dez minutos no programa eleitoral gratuito e os debates para conquistar votos. 'Nesta fase, você não precisa fazer tanto esforço físico, é mais um esforço intelectual.'

Lula considerou 'sóbria' a decisão da candidata derrotada à Presidência Heloísa Helena (PSOL) de liberar os militantes nesta fase da eleição. 'O PT já passou por isso várias vezes', observou. 'Podem deixar que os eleitores estão mobilizados e pensando em quem votar, independentemente de a gente decidir.' Quanto aos votos dos eleitores de Cristovam Buarque, ele se limitou a dizer que vai esperar a posição do Diretório Nacional do PDT.

PAI DOS POBRES

De olho nos votos do eleitorado de Alckmin, o presidente disse que as políticas sociais do governo beneficiaram os ricos à medida que o número de pessoas na miséria diminuiu e aumentou o total de consumidores das fábricas. 'Até os ricos ganham com esse processo de riqueza contínuo.'

REUNIÃO

Horas depois da entrevista, Lula comandou no Alvorada uma reunião para definir estratégias para o segundo turno. O deputado reeleito Jáder Barbalho (PMDB), acusado pelo Ministério Público de desvios de recursos públicos, foi um dos que participaram do encontro. Também estiveram no Alvorada o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e os irmãos Ciro Gomes - ex-ministro da Integração Nacional - e Cid Gomes, governador eleito do Ceará.