Título: Coréia: aceitá-la ou bombardeá-la já
Autor: Simon Jenkins
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2006, Internacional, p. A20

E agora? A coréia do Norte é o quarto, possivelmente quinto, Estado que rejeitou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear de 1970 e prosseguiu com os esforços para obter um arsenal atômico. Os outros são Índia, Paquistão, Israel e, possivelmente, Irã. Ou seja, há cinco Estados no velho clube nuclear (EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França e China) e cinco no novo. O apropriado relacionamento diplomático, militar e moral entre os dois clubes virou uma obsessão mundial de grande intensidade. Não há resposta fácil. Se países estrategicamente seguros como Grã-Bretanha e França desejam mísseis nucleares como linha de defesa extrema, por que não o Irã e a coréia do Norte? O Paquistão é uma ditadura instável que vendeu tecnologia nuclear e abriga terroristas, mas é protegida pelo Ocidente. O mesmo ocorre com a Índia, que em breve deve ter cooperação nuclear americana. Considerando a existência de um Israel nuclear, não só o Irã mas, concebivelmente, a Turquia e o Egito estão cogitando uma bomba. O Japão pode reagir da mesma maneira ao teste da coréia do Norte. Onde está a bússola moral para nos guiar nisso tudo? Ela não existe. Existe apenas oportunismo. Os cinco grandes têm armas nucleares há meio século e se recusam a desistir delas, descumprindo o segundo pilar do tratado de 1970 sobre desarmamento. Das outras potências nucleares ou quase nucleares, Israel, Índia e Paquistão são vistas como vagamente confiáveis, o Irã como uma dor de cabeça, e a coréia do Norte como um pesadelo. O tratado sempre foi hipócrita, policiado por aqueles Estados cuja segurança estava garantida. Tem sido um veículo da conveniência de superpotências. Uma bomba nuclear é uma arma bizarra, tão pavorosa que só foi usada em dois ataques, em 1945. Desde então, seus donos felizmente a tornaram irrelevante pelo desuso, mas com isso privaram-na de seu poder de dissuasão. A bomba britânica não impediu a Argentina de invadir as Ilhas Malvinas, nem o poderoso arsenal americano foi capaz de dissuadir no Vietnã, Líbano, Somália ou Iraque. Quando a URSS acenou com o uso mísseis nucleares, o Ocidente viveu um compreensível estado de terror. O fato de Rússia e China terem abandonado seu objetivo de imperialismo comunista causou imenso alívio. Induzir a esse abandono foi o objetivo da política de "contenção" da Guerra Fria, e funcionou. A tese de Tony Blair e John Reid de que a Grã-Bretanha corre hoje mais risco que no tempo de Hitler é ridícula. Apesar de todo o falatório de ficção científica sobre "bombas em malas" e "armas de destruição em massa terroristas", construir e usar uma bomba nuclear é um exercício industrial e militar complicado que requer a energia combinada de um Estado-nação. As chamadas bombas sujas, ou armas químicas e biológicas, jamais deveriam ser colocadas na mesma categoria. Elas não são tão perigosas e se mostraram ineficazes. O mais alarmante é que a coréia do Norte parece possuir tanto os meios necessários para construir uma bomba como os mísseis de longo alcance para lançá-la. Kim Jong-il está adquirindo efetiva capacidade nuclear. Aqui a discussão se desloca de capacidade para intenção. O Ocidente não agiu contra a Índia e o Paquistão porque não os viu como ameaças. A elite governante do Irã é desonesta, mas não é louca. O jogo de gato e rato do presidente Ahmadinejad com inspetores da ONU tem a ver com orgulho nacional e autopromoção, não com um anseio de guerra. É verdade que seu regime tem pregado a destruição de Israel e armado rebeldes por todo o Oriente Médio, mas a chantagem nuclear não representa uma parte plausível nessa estratégia, que é pretensão chauvinista. O Irã é um país grande e pluralista, um caso clássico de contenção e enfrentamento, não de ostracismo e guerra. Seria deplorável que tivesse uma bomba, mas não mais nem menos que o fato de o Paquistão possuir uma. O caso da coréia do Norte é diferente. É razoável perguntar por que Grã-Bretanha e EUA foram à guerra contra "armas de destruição em massa" no país errado, o Iraque, em 2003. É também razoável perguntar se a atual crise poderia ter sido evitada se Bush não tivesse destruído a política de engajamento com a coréia do Norte e optado por beligerância e retórica. Mas isso é história. Ninguém sabe o que Kim pode fazer agora. Impedi-lo de obter uma bomba foi um objetivo político legítimo da ONU. Pedir, exigir, subornar e ameaçar, tudo falhou. O Conselho de Segurança está estarrecido com a desconsideração de Kim pela opinião mundial. A China pode aumentar o arrocho diplomático, mas não há nenhum modo de impedir um determinado Estado, mesmo um Estado carente, como a coréia do Norte, de fazer o que quiser. A política mais estúpida seria a imposição de sanções econômicas. Isso nunca funciona, empobrece pessoas e torna seus governantes ainda mais determinados e paranóicos. Na história, nada promove tanto ditaduras como um cerco econômico. Pergunte a Fidel, a Kadafi, a Saddam e aos aiatolás. O grau de pobreza dos norte-coreanos os coloca fora do alcance do arrocho econômico. A proposta de que a China arrase o país cortando sua energia geraria apenas inanição e migração em massa. Sanções são guerras de covardes e são contraproducentes. Neste caso, de todo modo, chegariam tarde demais. É tentador concluir que o mundo simplesmente precisa se acostumar com uma nova geração de Estados nucleares. O diretor da Agência Internacional de Energia Atômica estima que 40 países estão em vias de se capacitar para produzir bombas nucleares. Assim como convivemos com 10, talvez tenhamos que fazê-lo com 40, lutando para reduzir tensões e riscos e ajudar na proteção contra acidentes. Um acidente nuclear não seria o fim do mundo, certamente não no sentido de um confronto nuclear durante a Guerra Fria. E nós lidamos com aquela ameaça. Se essa visão "soft" não é viável no caso da coréia do Norte, ao contrário do caso do Irã, só há uma alternativa sensata. Não é arrastar um conflito via sanções econômicas até a guerra, mas dobrar a ambição da coréia do Norte de modo mais simples possível. O poderio aéreo sofisticado, inútil no combate à insurgência, tem um papel na "diplomacia coercitiva" de não-proliferação. Israel usou-o com eficácia contra a usina nuclear do Iraque em 1981, e os EUA repetiram o feito com a Operação Raposa do Deserto em 1998. Se Kim é a ameaça instável que parece, sua capacidade de fabricar a bomba e seus silos de mísseis deveriam ser eliminados de uma vez com mísseis Tomahawk. Morreriam menos pessoas assim do que em qualquer outra resposta preventiva.